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Críticas

Além da Vida

Um recado de Eastwood sobre a existência

Por Luiz Joaquim | 07.01.2011 (sexta-feira)

Não é de hoje que o mestre Clint Eastwood afina os temas que trata em seus filmes com seus particulares interesses (ou curiosidades), que parecem próprios de um homem de 80 anos. O primeiro sinal desse aspecto talvez tenha surgido quando ele ainda tinha 69 e fez “Cowboys do Espaço” (2000). Ali, se juntou aos outros veteranos Donald Sutherland e Tommy Lee Jones para viver os engenheiros aposentados que são chamados para ajudar a resgatar um satélite. O filme seguinte, “Dívida de Sangue” (2002), seria ainda mais sintomático. Clint vivia Terry, um velho agente do FBI e, ainda na abertura, ele sofre uma ataque cardíaco enquanto persegue um bandido. Para falar dos mais recentes, vimos as limitações físicas da velhice entrar em foco no ótimo “Grand Torino” (2008). Agora, em “Além da Vida” (Hereafter, EUA, 2010), o “Old Harry” discute, como diz o título brasileiro, o que pode haver depois da morte.

A forma para discutir isso aparece pelo protagonismo de George (Matt Damon), um norte-americano quem tem a “maldição”, como ele próprio diz, de ser um medium poderoso. Apenas pelo toque nas outras pessoas, George consegue enxergar suas amarguras do passado relacionadas a entes próximos que já morreram Na verdade, George evita usar esse dom exatamente por afastá-lo de um vida comum, como ele gostaria de ter ao lado, por exemplo, de uma namorada.

Paralelo à história de George – através do roteiro do inglês Peter Morgan (de “Frost/Nixon”) -, Clint vai mostrando duas experiências próximas da morte em outros dois personagens: uma na Inglaterra, com o menino Marcus (alternadamente interpretado pelos gêmeos Charlie e Frankie McLaren), e outra na Indonésia, durante as férias da jornalista francesa Marie (Cécile de France).

À propósito, a abertura competente de “Além da Vida” funciona como um aspirador de espectador. Ela suga a atenção da platéia imediatamente pelos habituais competentes efeitos especiais hollywoodianos para uma catástrofe atrelado à apenas uma palavra: tsunami. Essa abertura espetacular, apesar de determinante e correta, parece destoar do todo intimista do filme, assim como também parece deslocada a explicação científica que George dá sobre seu dom a potencial namorada Melanie (Bryce Dallas Howard, a Grace de “Manderley”) que conhece num curso de culinária. Sobre Bryce Howard (filha do diretor Ron Howard), é bom guardar esse nome. Sua presença (com sua boca) em cena é deslumbrante, principalmente quando está provando comida com os olhos vendados.

Para os brasileiros, só mesmo a coincidência pode explicar o fato de “Além da Vida” surgir num momento tão fértil no mercado nacional para filmes tendo o dom mediânico como assunto primeiro (vide os sucessos de “Chico Xavier: O Filme” e “Nosso Lar” em 2010). À propósito, um aspecto técnico a se lamentar na versão Eastwood para visões do além-vida é a representação visual do “outro lado”. Isso porque há uma sensação de deva ju quando se mostra este “outro lado” com as figuras representadas pela silhueta de seres vindo, em contra luz, caminhando em nossa direção. É uma imagem, acompanhada pelo tradicional clarão e um som de “tchiiufff” que remete a uma dezena de filmes sobre o além.

Interessante observar que em “Além da Vida”, apesar de todas as informações dramatizadas sobre perda de pessoas queridas, ou experiências de quase-morte (e como continuar vivendo depois disso) são minimizadas por algo que parece determinante no epílogo do filme, ou seja, o bem-estar enquanto estamos vivos, traduzido no derradeiro encontro entre George e Marie, numa rua em Londres. Esse é o recado final de Clint.

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