Um Amor tão Frágil
A mácula por trás de uma beleza pura
Por Luiz Joaquim | 28.02.2011 (segunda-feira)
Para quem celebra o cinema em toda sua essência, a distribuidora Lume Filmes, sediada no Maranhão já se tornou referência pelos títulos que vem colocando no mercado em home-vídeo desde 2006. Agora em fevereiro/março, chega às lojas e locadoras mais seis títulos raros e sedutores (veja ao lado). Difícil dizer quais deles merece mais atenção que o outro, uma vez que cada um traz em si um aspéctos muito particular do ponto de vista estético, além de carregar um punhando de consistência história, seja pela conteúdo que oferece, seja pelos nomes que envolvem direção, roteiro, fotografia e atuação.
Por estes aspetos, assistir, por exemplo “Um Amor Tão Frágil” (La Dentellière, Fra., 1977), do suíço Claude Goretta, constitui não só um deleite por podermos rever a grande atriz Isabelle Huppert (58 anos) atuando aos 24 anos (e já ali enxergar sua força interpretativa), como também por nos colocar em contato com uma personagem feminina tão perturbadora pela sua fragilidade como só uma Macabéa, de Clarice Lispector, pode ser.
Huppert, com sua estrutura física delicada e pueril, aos 24, interpreta Béatrice, de recém-completos 18 anos. Vivendo apenas com sua mãe, que ganha a vida como doméstica, Béatrice parou os estudos e trabalha em Paris num salão de beleza lavando o cabelo e fazendo as unhas das clientes, esperando um dia vir a ser uma cabeleireira.
Sem sonhos aparentes, ou ao menos explicitados, Beatrice é um mistério. Tem uma beleza indefinida e incompreensível. É, portanto, sedutora, mas não de maneira ardilosa. Ao contrário, Béatrize simplesmente existe e, com sua quase total ausência de posicionamento no mundo (não consegue nem se decidir na escolha entre dois retratos), poderia passar despercebida se não fosse pela sua delicadeza física. Não é fria, mas está longe de ser expansiva como sua colega mais velha e experiente, Marylène (Florence Giorgietti) que a leva de férias a uma praia na Normandia.
É lá que Béatrice conhece o jovem universitário, estudante de Letras, rico e polido François (Yves Beneyton), que se encanta exatamente pela combinação entre inocência e beleza de Béatrice. Depois de um período de reconhecimento e troca de confiança mútua, eles iniciam um romance que naturalmente vai se desgastando em função da inércia da jovem diante da falta de pretensões para seu futuro. “Você merece mais do que tem”, tenta convencê-la François, inutilmente.
Béatrice não se queixa de nada, não reinvindica nada, o que exaspera seu companheiro. Depois de uma reunião com os colegas de faculdade (entre eles está uma jovem Sabine Azéma – “Ervas Daninhas” -, atriz querida por Alain Resnais), cuja pauta é o materialismo dialético, François lhe pergunta preocupado: “você ficou entediada?”, mas não recebe resposta. A certa altura, o jovem lamenta aos amigos: “Eu nunca sei o que se passa na sua cabeça… ela nunca pergunta nada”. É um prenúncio do que viria acontecer ao casal, o que por sua vez leva a um destino trágico com o passar do tempo.
Nesse sentido, o de uma personagem pura, que vive apenas de observar e ser subserviente, temos a mão precisa de Goretta que é feliz por sublinhar as sutilezas da relação do casal. São eventos pequenos, silenciosos, que parece não ter importância à história, mas efetivamente carregam um peso para o relacionamento dos protagonistas, e que depois vem à tona no contexto do enredo. Exemplo: ainda conhecendo um ao outro, num jantar à noite, Béatrice sente frio e François pergunta se ela quer que ele pegue seu casaco no carro. Ela confirma e, silenciosamente, ele vai buscá-lo. Ela o acompanha com os olhos enquanto ele vem e, por trás, coloca a peça delicamente sobre seus ombros. Só isso. Ao final, a situação será lembrada em tom dramático.
Para o final, à propósito, num único e suave plano, Goretta dá a Béatrice o status de uma musa para a arte e a explica assim: “Ele passaria ao lado dela, bem ao lado dela, sem vê-la. Porque ela era dessa almas que não dão sinal algum, mas que devem ser questionadas pacientemente, e sobre as quais há que se saber enxergar. Um pintor teria feito dela motivo de uma tela. Ela poderia ter sido lavadeira, carregadora de água, ou uma rendeira”. Mas, a pergunta que “Um Amor Tão Frágil” quer fazer é: e fora da pintura, o que significaria dividir a vida com esta musa? A resposta de Goretta não é fácil de aceitar.
Outros lançamentos da Lume Filmes
(www.lumefilmes.com.br)
A GAROTA DOS OLHOS DE OURO
(La fille aux yeux d or, Fra., 1961). De Jean Gabriel Albicocco. Com Marie Laforêt, Paul Guers. Henry trabalha para uma agência de fotografias para alta costura, na qual circulam inúmeras modelos. Ele se diverte com as garotas e com apostas com seus amigos devoradores, um grupo secreto de rapazes que se ajudam mutuamente. Até que ele conhece uma garota muito bonita e misteriosa, que nunca lhe diz o nome. Consegue atrai-la e ambos se apaixonam. Mas a moça parece que têm um amante que a sustenta e Henry se desilude quando descobre que esse amante é uma mulher. Baseado em história de Honore de Balzac. Leão de Prata no Festival de Veneza de 1961
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A MORTE AO VIVO
(La Mort en Direct, EUA, 1980). De Bertrand Tavernier. Com Harvey Keitel, Romy Schneider, Max von Sydon e Harry Dean Staton. Escritora de sucesso condenada por uma doença incurável não permite que seus últimos dias sejam gravados por uma emissora de tevê. Mas a estação patrocina a instalação de uma câmera microscópica no cérebro de um repórter, para que ele registre a morte da escritora. Filme cultuado baseado em clássico da ficção científica com grande elenco, que inclui Harvel Keitel, Romy Scheneider e Max von Sydon. Seleção Berlim 1980; Cesar 1981 e vencedor de Melhor atriz estrangeira (Romy Scheneider) Sant Jorde Award, 1982.
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PARIS ESTÁ EM CHAMAS
(Paris Brûle-t-il?, Fra., 1966). De Rene Clement. Com Jean-Paul Belmondo, Charles Boyer. Por quatro anos e meio, durante a 2ª Guerra Mundial, Paris esteve ocupada. Quando a guerra já estava perdida para a Alemanha e o avanço dos aliados para recuperar a capital francesa era inevitável, partiu uma ordem do próprio Hitler para incendiar Paris totalmente, incluindo seus monumentos e museus. Entretanto o próprio comandante alemão em Paris reluta em dar esta ordem, pois considera tal sacrifício inútil. Roteiro de Gore Vidal e Francis Ford Coppola.
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UMA BATALHA NO INFERNO
(Battle Of Bulge, EUA, 1967). De Ken Annakin. Com Henry Fonda, Robert Shaw, Robert Ryan, Dana Andrews. No final da Segunda Guerra, em dezembro de 1944, o comando das Forças Aliadas já comemora o triunfo sobre as combalidas forças nazistas por toda a Europa. Quando remanescentes do quase derrotado exército nazista planejam um ataque surpresa às forças aliadas, que já não contavam mais com nenhuma reação, um experiente oficial americano alerta seus superiores sobre a possibilidade de uma última ofensiva em massa do inimigo. Esse soldado experiente, porém desacreditado por seus companheiros, tenta convencer seus superiores a tomarem medidas para impedir a ação. Mas não é ouvido com seriedade. Comandados por um coronel obstinado, os alemães provam que ainda têm poder de fogo e são capazes de dar muito trabalho aos aliados. Grande elenco em um dos maiores filmes de guerra já realizados na história do cinema.
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UMA ESTRANHA OCASIÃO
(Quelle strane occasioni, Ita., 1976). De Luigi Comencini, Nanny Loy e Luigi Magni. Com Nino Manfredi, Stefania Sandrelli e Alberto Sordi. Comédia em episódios, com atores ícones da cinematografia italiana. Humor, erotismo e relacionamento humano formam a tríade dessa comédia clássica de muito sucesso popular na Itália.
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