Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas
Somos, nós mesmos, parte da natureza
Por Luiz Joaquim | 17.03.2011 (quinta-feira)
Ao entrar numa sessão de “Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas” (Loong BoonmeeRaleuk Chat, Tai., 2010), do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul, que entra em cartaz hoje no Cinema da Fundação, é preciso atentar para a ideia de que a natureza é a dona da história ali, sendo o homem apenas um detalhe desse todo. E a natureza tem seu ritmo. Não à toa, a primeira imagem em movimento que será vista no filme é a de um búfalo imerso na atmosfera do amanhecer de uma floresta. O filme foi o grande vencedor, levando a Palma de Ouro, do Festival de Cannes 2010.
Bem conhecido nos circuitos dos grandes festivais, mas não tanto no circuito comercial de cinema no Brasil, o jovem realizador de 40 anos e nome difícil de pronunciar vem, cada vez mais, ganhando a atenção do mundo com sua filmografia que olha com muita tranquilidade e liberdade para a cultura do seu país, sempre pautado por uma comunhão com a natureza (universal), o que nos leva indubitavelmente a olharmos para nós mesmos.
É difícil detalhar, especificamente em “Boonmee”, seu sexto longa-metragem, a razão da consagração do realizador em Cannes – antes ele recebera por lá o prêmio do júri por “Mal dos Trópicos” (2004) e o prêmio na mostra Um Certo Olhar, em 2002 por “Eternamente Sua”. Mas é fácil, após passar por uma sessão do novo filme, perceber a sensação de que estamos diante de algo quase fora desse mundo, ou melhor, do mundo habitual do cinema contemporâneo ao qual estamos submetidos diariamente.
Não podemos dizer que há uma reinvenção aqui. Seria demais. Mas a capacidade de “Boonmee” (pronuncia-se ‘Bunmí’) em nos fazer querer absorver suas imagens apenas pela harmonia entre seus personagens e os que lhes cercam nos deixa intrigado, e de uma forma comovente.
Para guiar o espectador na fabulosa e despretensiosa história de “Tio Boonmee…”, acompanhamos, de início, a viagem do protagonista (Thanapat Saisaymar) para a casa da irmã, que mora numa floresta, onde ele irá repousar por conta de complicações renais. Lá, num jantar, ele reencontra sua esposa falecida há 19 anos, e também seu sobrinho, desaparecido há 16, que volta numa forma não-humana, em princípio, assustadora, mas depois revelando-se tranquila, quase como um espírito da natureza, que vem acalentar o corpo fragilizado de seu tio, além de explicar as razões de sua transformação.
Para alguns, à primeira vista, a maneira como Apichatpong, no filme, nos apresenta a essa história talvez possa soar nonsense, ou até cômica (há quem ria); mas, após uma reflexão particular, não será difícil para esse espectador compreender que junto com a ideia da proximidade da morte natural vem, agregada a ela, a ideia de retorno a algum lugar, talvez o mesmo lugar de onde viemos. Senão isso, ao menos a ideia de que somos, nós, humanos, apenas uma parte mínima de uma colossal, complexa e lindamente arquitetada estrutura chamada natureza. “Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas” é um potente e grande filme (assim como seu título), e que será difícil de ser esquecido.
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