21o Cine Ceará (2011) – noite 3
Histórias de jagunço e humor no Ceará
Por Luiz Joaquim | 11.06.2011 (sábado)
FORTALEZA (CE) – Um dos temas recorrentes do Cine Ceará (e do mais tradicional no cinema cearense), o cangaço, ilustrou, e bem, a terceira noite (ontem, 10/06) desta 21a edição do evento. Veio através de um projeto de cinco anos de Wolney Oliveira, também diretor do festival, e nasceu em projeção hors-concours no Theatro José de Alencar com o nome “Os Últimos Cangaceiros”.
Com pouco margem de erros, podemos dizer que se trata do mais equilibrado trabalho feito por Wolney, que conseguiu unir informações curiosas, edição dinâmica, personagens comoventes e imagens de arquivo (fotográfica e em movimento) não apenas como efeito decorativo, mas com um função real na narrativa.
O alvo de Wolney foi o casal Durvinha (falecida em 2008) e Moreno (falecido aos 100 anos em 2010), conhecidos como os últimos cangaceiros que fizeram parte do bando de Lampião. O desejo de Wolney de documentar a história do casal surgiu por volta de cinco anos atrás, quando Moreno, aos 95, resolveu contar aos filhos a sua origem e seu passado.
O segredo guardado há mais de 50 anos tinha uma razão, o temor de Moreno ir para a cadeia pelos 21 mortos que deixou na época do cangaço. Por isso, ele e Durvinha foram viver em Belo Horizonte com a identidade de José Antônio Souto e Jovina Maria da Conceição.
Mesmo depois de apresentar bem o irriquieto e divertido nonagenário, fazê-lo reencontrar amigos e familiares em Paulo Afonso e outros municípios, o mais interessante, entretanto, parece estar nas relações que Wolney faz da memória do casal sobre os tempos da bandidagem, com imagens feitas do bando pelas lentes de Benjamin Abraão, e depoimentos de pesquisadores como Frederico Pernambucano de Mello.
Pelos filmes de Abraão, aqui colorizados para destacar Moreno e Durvinha entre o grupo, é comovente perceber a historia ganhando corpo e voz pela presença forte do casal de matadores, reconhecendo a si próprio numa época da qual passaram cinco décadas se esforçando para esquecer.
Reforça a qualidade do filme a trilha sonora de DJ Dolores, que agregou elegância discreta às imagens, brincando com o ritmo nordestino, embalado pela sanfona sobre melodias de Erik Satie e clássicos do Western Spaghetti.
Antes, cinco curtas-metragens formaram o programa da noite. Dividido em dois blocos, o primeiro reinou pelo humor e qualidade, a começar pelo “O Plantador de Quiabos”, do coletivo paulista Santa Madeira. Já exibido em Tiradentes, o filme ganhou mais força exatamente pela naturalidade e leveza com que registra a inocência, ingenuidade e a graça de um plantador de quiabos que vai à cidade grande comprar uma bicicleta.
Do Ceará, estreou “Doce de Coco”, de Allan Deberton, com uma bela e triste história sertaneja, prejudicada apenas por uma trilha sonora equivocadamente grandiloqüente.
Mas não há duvidas que foi “Engole Logo uma Jaca Então” o filme mais marcante. É o primeiro trabalho de um coletivo de animação formado por Marão, Tiago Mal, Guilherme Coutinho, Alex Antunes, Soldado, 1berto Rodrigues, Diego Akel e Andrei Duarte. Composto por vários microfilmes, a pauta aqui é o humor. E a escatologia e o absurdo não escapam, quase sempre funcionando como uma sátira impiedosa, como é o caso das crianças que comem, comem, comem, enquanto escutamos a canção infatil “Bosta, bosta, todo mundo gosta”.
Ou ainda a bunda saltitante que mergulha feliz num mar de pênis, ou a mulher que vai a um banheiro coletivo nojento e descobre-se sem papel higiênico, ou o mais estapafúrdio dentre todos estes recados bem dados, o da grávida karateca, que usa o próprio parto num medonho golpe contra bandidos durante um assalto. Inesquecível.
Exibiram também o curta gaúcho “Um Conto à Deriva” interessado em filosofar a vida pela fotografia, e a animação paranaense “Meu Medo”, de Murilo Hauser, que funciona melhor pela técnica – com ótima animação digital e edição de som – e menos como dramaturgia.
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