4o Paulinia (2011) – noite 7
A febre de Cláudio Assis contamina Paulínia
Por Luiz Joaquim | 14.07.2011 (quinta-feira)
PAULINIA (SP) – São raras as vezes em que um acontecimento cultural vai além do importante e torna-se histórico. Na quarta-feira, última noite da mostra competitiva do 4o Paulínia Festival de Cinema, essa sensação era quase palpável de tão concreta e fácil de comprovar. Aconteceu durante a primeira exibição “intergaláctica”, como anunciou a produtora Júlia Moraes, de “Febre do Rato”, terceiro longa-metragem de Cláudio Assis.
Para começo de conversa, Cláudio promoveu a apresentação mais empolgante de todo o festival. Lembrou que o verdadeiro cinema não pode abrir concessões para depois convocar sua equipe no palco, com cerca de 15 pessoas, para dançar e em seguida dar seu tradicional beijo na boca, um a um, para um teatro de 1.300 lugares ver. Entraram também na dança do beijo os apresentadores da cerimônia Marina Person e o crítico de cinema Rubens Ewaldo Filho.
Mas a festa começaria mesmo com a projeção do filme. A primeira questões a apontar é ter a coragem de assumir que o “Febre do Rato” é uma trabalho que vai ganhando novas cores com o passar do tempo. Tem a característica dos filmes que parecem não falar de nada, mas na verdade está a falar do que é a essência do ser humano.
Aspecto que é ressaltado pelo próprio personagem de Nanda Costa (Eneida) com Irandhir Santos (Zizo), quando estão a ver um filme chamado “Maconha”. Ela gosta do que vê mas comenta: “Pena que não tem história, né?”, para Zizo responder: “A história está nos olhos de quem vê”.
Personalizando o que seria esta essência temos Zizo (Irandhir Santos, assustador em sua entrega). Com inspiração nos poetas marginais pernambucanos do anos 1970, Zizo é uma força descontrolada da natureza, movido pela fúria da paixão e da anarquia social.
À construção desse universo, Cláudio ilustra a convivência do poeta, com os amigos, o coveiro Pazinha (Matheus Nachtergaele) casado com a travesti Vanessa (Tânia Moreno), e o quarteto sexual encabeçado pelo personagem de Juliano Cazarré.
Curioso que, mesmo livres, como são, eles não compreendem o hábito de Zizo transar com idosas (Maria Gladys, Conceição Camarotti) num tonel d`água no quintal de casa. Mas, a certa altura, Zizo conhece a estudante Eneida, e as estruturas do poeta ficam abaladas. Num misto de encantamento e tesão (a tal ‘febre do rato’ ), a negativa da menina em se entregar, ao invés de o intrigar, deixa-o mais excitado.
Para alem disso, “Febre do Rato” é um registro amoroso de um Recife, cuja beleza está na “feiúra”, ou melhor na crueza de um universo que só alguns recifenses conhecem de fato, e que agora ganha uma perspectiva universal pela audácia da poesia. A fama da cadela pernambucana Xôla (ou Chôla?), por exemplo, agora será conhecida no mundo. Mas o destaque fica, é claro, para o grande momento de uma declamação poética que literalmente desnuda a todos em frente a Assembléia Legislativa de Pernambuco.
Nesse contexto, temos a fotografia em P&B de Walter Carvalho provocando um efeito de extrema de beleza plástica, que remete inclusive à pureza das imagens clássicas e mudas de Humberto Mauro. A beleza só aumenta quando entra em ação a personalidade visceral de Cláudio Assis em Zizo, relativizando a pureza do amor, envolvendo urina, numa das sequências, entre um casal, que é uma das mais belas do cinema que conseguimos lembrar.
Temos, enfim, em “Febre do Rato” um novo Cláudio Assis. É um ponto de inflexão em sua carreira, que vai para cima, desvelando um autor cinematográfico com uma assinatura que agora a usa para expurgar sua febre de amor pela liberdade.
0 Comentários