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Críticas

O Louco Amor de Yves Saint-Laurent

A glória e a solidão da moda

Por Luiz Joaquim | 22.07.2011 (sexta-feira)

O documentário “O Louco Amor de Yves Saint-Laurent” (L’Amour Fou, Fra., 2010), de Pierre Thoretton – próximo domingo, na Sessão de Arte (12h10) do UCI/Kinoplex Plaza (na cidade do Recife) – é um bom exemplo do filme que não tenta ‘parecer’ com o cinebiografado para tornar-se mais convincente. Faz melhor, apropria-se da essência de seu objeto, adequa-se a ela e, assim, põe o espectador no mesmo nível de perspectiva que seu protagonista vê o mundo. No caso, aqui, um gênio da moda do século 20.

“O Louco Amor” começa pelo fim, numa imagem de arquivo pela qual Saint-Laurent (1936-2008) lê para a imprensa sua carta, lúcida e melancólica, de despedida de seu oficio. “O encontro mais importante da vida, é o encontro consigo mesmo”, diz. As razões, àqueles que não as sabem, são comentadas mais adiante por quem foi seu companheiro por 50 anos: Pierre Bergé.

É a figura de Bergé com seu depoimento, à propósito, que serve de fio para amarrar o percurso profissional e artístico do estilista. Com rico material iconográfico e documental (bem servido de filme em 16mm de antigos noticiários para TV) é possível conhecermos o tímido garoto quando ainda assessorava Christian Dior para, logo em seguida, com a morte de seu mentor, assumir sozinho, aos 21 anos, toda a criação da maison Dior.

Dali até a sua morte, não havia quem mais conhecesse Saint-Laurent que Bergé. Dessa forma, o documentário de Thoretton termina por também retratar a vida deste senhor, que fala como um eco de Saint-Laurent, mas com uma personalidade própria. A de um homem prático, que assumia as questões concretas da marca YSL e dos milionários desfiles, enquanto o gênio ocupava-se de sua criação.

É esse pragmatismo que leva Bergé a leiloar as centenas de obras de arte acumuladas pelo casal ao longo de cinco décadas. Se a situação fosse inversa, diz Bergé, e Yves tivesse partido antes, ele não se desfaria das obras de arte que incluem Mondrian e Andy Warhol entre outros. “Para Yves, viver sem a presença daquelas belezas seria como estar abraçado ao vazio”. Para Bergé, entretanto, ainda que precise se submeter ao “fogo dos leilões”, é melhor saber com quem as peças ficarão, a morrer sem saber qual seria o destino de todos elas.

Em longos, tranqüilos e silencioso travellings, em que mostra as residências de Saint-Laurent (com quartos batizados com personagens de Proust), seja na França ou no Marrocos, Thoretton sabiamente nos oferece um reflexo de seu personagem. E, por esse espelho, mesclando velhas imagens com atuais, não nos resta nada além de compreender a origem do refinamento e sensibilidade do estilista para a arte, que ele próprio ajudou a redefinir no século passado.

Outro mérito de Thoretton é exatamente, a partir de Saint-Laurent, ressaltar a importância dessa tal de moda para a humanidade, como hoje a entendemos. A experiência política (mas não politizada) de Yves nos anos 1960, por exemplo, foi determinante para que ele viesse a popularizar oprêt-a-porter, ou seja, a moda de bom gosto a preços mais acessíveis, mudando para sempre esse seguimento.

“O Louco Amor” é, portanto, um destes trabalhos que, ao falar de um grande homem acaba nos ensinando sobre a nossa própria época. Extrapola um retrato e vira uma revisão do nosso tempo. Para Bergé, a genialidade de Saint-Laurent transformou esse tempo, muito embora o próprio Yves parecia não fazer parte dele, ou não querer fazer parte dele. Talvez por isso, a partir de 1976, como um dedicado operário da moda que era, Saint-Laurent tenha finalmente sucumbido às drogas em função das pressões demandadas pela profissão. Pois, afinal, a glória é um luto resplandecente, lembra o hoje solitário Bergé.

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