39º Gramado (2011) – noites 7 e 8
O pior e o melhor de Gramado
Por Luiz Joaquim | 13.08.2011 (sábado)
GRAMADO (RS) – A noite de quinta-feira apresentou o último concorrente na corrida entre os os longas nacionais (“O Carteiro”, de Reginaldo Faria) e também o último programa da competitiva entre curtas-metragens. É consenso que esta última categoria teve uma seleção de mediana para ruim neste 39º Festival de Cinema de Gramado. O evento, à próposito, terá sua premiação transimitida hoje à noite pelo Canal Brasil (TV paga) a partir das 20h45.
Depois de um algumas expectativas por aqui em torno da volta do ator Reginaldo Farias a direção de um filme (último foi há 28 anos, com “Aguenta Coração”), anteontem a projeção do seu “O Carteiro” deixou um sensação ruim de fadiga física e mental, além de uma incompreensão do ponto de vista de qual era o propósito daquilo que se sucedia na tela.
Na sessão do longa nacional, depois de desistir de tentar entender qual o propósito cinematográfico e/ou mercadológico de “O Carteiro”, só restava esperar o filme encerrar e catar os pedaços e se arrastar para fora da sala.
Rodado no interior do Rio Grande do Sul, com dinheiro e parte do elenco local, o enredo original nos leva há um tempo não definido no passado, onde um dos dois carteiros da cidade (Carlos André Faria) começa a violar as cartas de uma menina (Ana Carolina Machado) por quem está apaixonado.
Entre citações protocolares de Drummond e Machado de Assis, o garoto começa a interferir na correspondência da moça, escrevendo-lhe como se fosse seu namorado; além de mudar o rumo da vida de personagens da cidade, como a do delegado (Marcelo Faria) e sua amante (Ingra Liberato).
Há no filme uma clara falta de direção de atores, o que é triste, sob pena de vermos um elenco em performances over (salva-se o experiente Anselmo Vasconcelos), que teria sentido num filme farcesco, o que é não é o caso. “O Carteiro” não serve ao jovem de hoje, ou às crianças, ou aos adultos nostálgicos.
Não funciona como romance, ou comédia. Fica a triste sensação de um grande desperdício. Noite de quinta-feira também exibiu (em 35mm!) o bom colombiano “Garcia”, de José Luis Rugele. Uma espécie de “Irmãos Coen” latino.
NOITE DE SEXTA-FEIRA – A disputa dos longas estrangeiros até a noite de quinta-feira já estava acirrada, mas a coisa só complicou com a sessão do último concorrente na categoria, exibido ontem (12-ago). A obra da República Dominicana (RD), “Jean Gentil”, do casal Laura A.Guzmán (dominicana) e Israel Cárdenas (mexicano).
Co-produzido com a Alemanha, “Jean Gentil” é também o nome de seu protagonista, o haitiano Jean Remy Genty. A partir da dramatização de fatos de sua vida real , o filme segue os passos de Jean, um jovem senhor com formação em contabilidade, e professor de idiomas (inglês, francês e creolo, o idioma haitiano) em busca de um emprego na RD.
Logo de cara, em sua apresentação no palco no Palácio dos Festivais, Jean conquistou a todos com um misto de sincera humildade e ingenuidade. “Adorei Gramado, onde tudo e todos são muito limpos. Se Deus é o grande arquiteto do universo, ele está orgulhoso de vocês aqui. Você moram em monumentos. Continuem assim”, disse num espanhol de forte sotaque haitiano.
No filme, vamos conhecendo este senhor aos poucos, quando, na abertura, de gravata e papeis de baixo do braço, faz teste para emprego como contador. As constantes recusas o levam a procurar por trabalho como peão em obras de construção civil – aquem de sua capacidade intelectual -, e pedir dinheiro a amigos.
Enquanto dorme na própria obra em construção, o religioso Jean busca uma conforto na igreja evangélica que frequenta, até decidir deixar tudo para trás (menos a fé), e começa a caminhar em direção a lugar nenhum, numa jornada pela densa floresta e litoral selvagem daquela região.
À medida em que se afasta e isolá-se da sociedade, Jean vai deixando o que a ela lhe conectava. Roupas, pacotes, etc. Um dos momentos mais fortes, está em sua decisão de usar o currículo e o diploma numa fogueira para esquentar a noite fria na floresta
A interação de Jean com eventuais amigos que faz nesse caminho, só reforça seu desapego aos interesses sociais em detrimento de um único objetivo: sobreviver. É o caso da aula gratuita de francês que dá a um jovem dominicano para este conquistar uma garota; ou quando apróxima-se do operários de uma obra na selva para lhe revelar que nunca dormiu com uma mulher na vida. “Não se pode ser triste sempre, Jean. É preciso sorrir”, escuta do operário, para depois, sabermos que Jean não entende a razão pela qual as pessoas sorriem.
Jean continua sua peregrinação cada vez mais frágil, a ponto de pedir ajuda para que o matem e deixa-se absorver pela natureza inóspita do local, até que, na tomada final do filme, vemos o estado de sua pessoa como um retrato figurativo da própria sociedade no Haiti hoje.
Como se não bastasse, o casal de diretores faz de cada imagem precisamente enquadrada uma voz à parte no discurso humano, espiritual e social que o trajeto de Jean nos oferece. A economia das soluções encontradas na fotografia pertecem a um muito sofisticado grau de conhecimento cinematográfico, traduzida pela compreensão do poder e eloquência que uma imagem possui. Numa, em especial, vemos Jean pegando batata-doce numa plantação particular, até ser flagrado pelo segurança do local. Simples, eficiente, genial.
Ao final da sessão, na sala do cinema, Jean levanta-se emocionado e não perde tempo. Entre um aperto de mão e outro, por congratualações da platéia tocada, ele entrega seu cartão de apresentação a todo mundo, onde lá se lê: “Professor de idiomas a domicílio”. Quem quiser aprender Creole, inglês ou francês, é só ligar para ele em Santo Domingo, na RD.
Após “Jean Gentil”, em caráter hors-concours, exibiu “Sudoeste”, de Eduardo Nunes, com Simone Spoladore, Dira Paes, Raquel Bonfante, Regina Bastos, Everaldo Pontes. Rodado em Arraial D’Ajuda, apresenta Clarice (Spoladore e outras três atrizes), que revê toda a sua vida (nascimento, infância, juventude, velhice, morte) num único dia a despeito da percepção de quem está ao seu redor.
Com som poderoso e deslumbrante fotografia em P&B (CinemaScope) de Mauro Pinheiro, “Sudoeste”, primeiro longa de Eduardo Nunes, teve sua primeira exibição pública no Brasil aqui em Gramado e deixou um gosto estranho (bom) na boca.
Gosto de quem está diante de um alienígena, dentro da atual cinematografia brasileira atual. É talvez um irmão menos robusto (do ponto de vista narrativo) de “Lavoura Arcaica” (2001), de Luís Fernando Carvalho, que não por acaso também traz Spoladore no elenco. Filme ainda deverá fazer muito barulho bom, dentro e fora do Brasil.
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