Melancolia
O planeta mulher de Lars Von Trier
Por Luiz Joaquim | 05.08.2011 (sexta-feira)
Cada vez mais, a obra de Lars Von Trier caminha em direção, e se estabiliza, num universo iluminado e alimentado pelo espírito do feminino (com seus mistérios), fecundado por sua ligação com a natureza. Seu 11º longa-metragem – “Melancolia” (Melancholia, Din,. Fra., Sue., Ale., 2011) -, entrando nacionalmente em cartaz (no Recife, pelo Cinema da Fundação Joaquim Nabuco), parece cristalizar um pouco mais o que vem sendo elaborado há anos em seus projetos, a partir de “Ondas do Destino” (1996), no que diz respeito a esta conexão entre a mulher e o intangível.
O longo prólogo de “Melancolia” fará o espectador que acompanha sua obra lembrar da abertura do anterior “Anticristo” (2009). Não pelo tema, mas por, de certa forma, também já situar o espectador para o drama que vem a seguir e, principalmente, pelo recurso técnico da supercâmera lenta, através da qual acompanhamos as irmãs Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg) num ambiente afetado pela aproximação do fictício planeta Melancolia com a Terra. São imagens exuberantes e maestralmente administradas por Von Trier, sob o som de Wagner (“Tristão e Isolda”), dando o perfeito tom apocalíptico que se aproxima.
O prólogo é seguido por duas partes (1) “Justine” e (2) “Claire”. A primeira não deverá soar estranha para quem viu “Festa de Família”, rodado em 1998 por Thomas Vinterberg, e produzido por Von Trier. A atmosfera de hostilidade aqui, quando Justine e sua família (o pai vivido por John Hurt, a mãe por Charlotte Rampling e o cunhado por Kiefer Sutherland) estão promovendo sua suntuosa festa de casamento, é próxima a do filme de Vinterberg. Tanto lá como aqui, o que respinga nas poltronas do cinema são as farpas e mesquinharias envolvendo uma rede social que inclui o chefe hipócrita (Stellan Skarsgard) de Justine.
Apesar da tensão social, Von Trier quer chamar nossa atenção para algo mais sutil que ocorre com a noiva. Em seu interior, em plena festa do próprio casamento, Justine sente-se cada vez mais fraca e apavorada. Importante dizer que, aqui, a perspectiva de Melancolia colidir com a Terra ainda não é uma realidade, mas as dores de Justine se comunicam com ela antecipando um inevitável fim. É como um recado da natureza, ao qual não estamos preparados para decodificá-lo.
Na parte 2, cientistas já conhecem Melancolia, mas não cogitam seu choque com a Terra, apenas uma passagem muito próxima, que ira promover um espetáculo nos céus, o que entusiasma o marido de Claire, um estudioso do assunto. É ele quem tenta convencer a esposa dizendo que a catástofre está fora de cogitação. Mas, à medida que Melancolia se aproxima, a angústia de Claire só aumenta.
Sabe-se que “Melancolia”, o filme, foi feito num momento ainda depressivo do cineasta, e que reflete fortemente seu desconforto contra a atual hostilidade presente na vida humana. “A Terra é único lugar onde há vida”, diz-se a certa altura; para se falar depois: “A Terra é má”. Interessante, entretanto, é vê-lo estabelecer a mulher ao status de criatura sensitiva às transformações da natureza. Não importa se de maneira mais concreta (Justine), ou intuitiva (Claire).
Como se ligadas diretamente a um cordão umbilical com a Terra, nestas duas mulheres – e mais fortemente em Justine – se processa a compreensão dos movimentos da natureza. Não é à toa que, ainda na parte 1, que Von Trier recria a imagem de “Ophelia” (1852), do inglês John Everett Millais, com uma Kirsten Dusnt (em seu primeiro grande papel como mulher, e que lhe rendeu o título de melhor atriz em Cannes) vestida de noiva e com seu buquet boiando na água. Figura que, não por acaso, ilustra o pôster do filme.
Sobre a pintura “Ophelia”, com a mulher morta no lago, diz-se que Millais pretendia criar a perfeita integração de elementos naturalistas com o ser humano, no qual o tempo e o espaço são um só. Talvez Von Trier tenha ajudado a chegar um pouco mais perto desse intento.
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