35a Mostra SP (2011) – dia 3
As dores e os prazeres da meia-idade
Por Luiz Joaquim | 25.10.2011 (terça-feira)
SAO PAULO (SP) – Conhecida no Brasil pelo enorme sucesso de público por “A Culpa É de Fidel” (2006) no circuito alternativo, Julie Gavras (filha de Costa Gavras) está na 35a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo para apresentar seu “Late Bloomers: O Amor Não Tem Fim” – estreando nacionalmente dia 11 de novembro pela Art Films.
Como a própria Julie disse na apresentação da premiere no Cinesec, na noite de domingo, “Late Bloomers: O Amor Não Tem Fim”, com Isabella Rossellini e Willian Hurt, “é mais leve” que o anterior. De fato, “Bloomers” teve uma platéia (grande) interagindo integralmente com o filme. Fosse pelo humor refinado do casal protagonista, Adam e Mary, entrando nos 60 anos e levando com eles uma crise conjulgal, fosse pela sofisticação do enredo, encenação e personagens confeccionados.
O filme é um dos poucos que procurar entender o que há de duro e/ou bom na passagem entre a vida adulta e a velhice de fato. É um espaço de adaptação tão serio quanto a transição da infância a adolescência, ou dela para a adulta. O conflito do casal está no contraste de como Adam se percebe ainda jovem, e os procura como companhia, enquanto Mary parece antecipar as limitações de seu corpo. Já o humor vem exatamente do exagero desse processo, em particular o de Mary.
De certo modo, o francês Robert Guédiguian olha para esse período da vida no casal Michel e Marie-Claire em “As Neves de Kilemanjaro”, vivido pelos seus atores preferidos (Jean-Pierre Darroussin e Ariane Ascaride, além de Gérard Meylan). Mas, como de costume, Guédiguian vai além da crise existencial.
Como em “A Cidade Está Tranqüila” (2000) e “Marie-Jo e Seus Dois Amores” (2002), o cineasta francês envolve o espectador lentamente com, a princípio uma história simples, para depois fazê-lo perceber que está numa sofisticada rede de questões morais aparentemente insolúveis.
Vivendo modestamente em Marseilles, Michel e Marie-Clarie, como Adam e Mary, tem os filhos bem sucedidos e netos saudáveis. E, apesar de ter perdido o emprego, o politicamente engajado e sindicalista a favor do proletariado, Michel aproveita seu seguro e aposentadoria. Mas o faz não sem sofrer com o ócio depois de uma vida de trabalho pesado.
O drama ganha uma nova cor social quando o casal sofre um roubo na própria casa, sendo o algoz também um vítima da sociedade. Mas, seria isso uma justificativa para perdoá-lo. Difícil chegar até a resposta. Como impacto maior Guédiguion opta pela gentileza como solução. À propósito, a história é inspirada num poema de Victor Hugo.
Um surpresa na programa da Mostra está para chegar ao público amanhã (quarta, 26). É o iraniano “Um.Dois.Um”, de Mania Akbari (atriz de “Dez”, de Kiarostami). Com enquadramentos fixos, Akbari fez um filme corajoso, que confia em seu excelente roteiro e atores. Nos quadros, duplas de personagens conversam remetendo-se a uma ação passada.
Ação trágica, diga-se de passagem, sobre o crime de um homem que tentou deforma o rosto de sua companheira, “com o rosto de um anjo”, por ela ter deixado de amá-lo e passado a amar outro homem. Nesse processo, a dor dos três é avaliada, sendo a dificuldade da mulher em reencontrar autoconfiança com sua deformação a mais dolorosa. A economia aqui é impressionantes, a inteligência cinematográfica, suprema.
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