5o. CineBH (2011) – dia 4
A música como retrato social da América do Sul
Por Luiz Joaquim | 06.10.2011 (quinta-feira)
BELO HORIZONTE (MG) – A mostra internacional do Cine BH vem exibindo desde o primeiro dia uma interessante seleção de longas-metragens da América do Sul, filmes que infelizmente com raras exceções circulam apenas em festivais ou mostras especiais, dificilmente chegando a entrar em cartaz no circuito comercial. Na segunda-feira foram projetados “A Viagem do Vento” (Colômbia, 2009), de Ciro Garcia, e “Hiroshima – Um Musical Silencioso” (Uruguai, 2009), de Pablo Stoll.
Os filmes foram programados no mesmo cinema, o Cine Santa Tereza, em sequência, e isso parece sugerir conexões, tornar evidentes reincidências, em especial algumas notas sobre a importância da música e da sonoridade das palavras.
Ciro criou uma história profundamente inspirada na cultura popular colombiana, sendo a jornada do protagonista, o músico Ignacio (Marciano Martínez), uma peregrinação um tanto simbólica e mística por povoados em busca do mestre que o ensinou a tocar acordeão. Lembra um pouco o que os irmãos Coen fizeram com a história de Ulisses em “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”, dessa vez mexendo com mitos de uma cultura periférica.
Em cada cidade Ignacio enfrenta algum tipo de desafio, um pouco como um filme de faroeste, mas em vez de armas há apenas o uso da música feita ao vivo e muitas vezes no improviso. Sérgio Leone parece inspiração distante, em especial numa excelente cena de duelo com facões com trilha ao vivo de Ignacio, uma marcha lúgubre.
A música parece comentar algo maior, uma espécie de respeito pela tradição, pelos antepassados, por um tempo destinado à extinção pela força maior das regiões urbanas. Todos os rostos que aparecem em close ou em imagens coletivas no filme parecem pontos de exclamação nessa ideia de tempo passado, um belo e silencioso comentário sobre heranças e tradições.
É também silencioso o filme de Pablo Stoll, mas a ausência de palavras em “Hiroshima” segue outra rota, um caminho para o humor involuntário de uma geração sem rumo. Pablo, reconhecido por seus dois longas anteriores, “25 Watts” (2001) e “Whisky” (2004), volta a falar, assim como em seu primeiro projeto, da juventude, da rotina nem sempre excitante dos jovens adultos de Montevidéu.
O protagonista é um cantor que já na primeira cena pede silêncio para seu amigo, e então o filme o respeita e segue até a última imagem como uma obra sem falas, apenas sons de ambientes, usando a cada diálogo as cartelas do cinema mudo. Vem daí algumas boas piadas, com essas cartelas ganhando autonomia e sendo motivo para humor.
Um perigo real para um filme que pretende relacionar o vazio de uma geração é ser, também, essencialmente vazio, algo sugerido na primeira cena, em que acompanhamos passo a passo o protagonista caminhando pelas ruas ouvindo disc-man (isso mesmo). Mas depois o filme cresce, recorre ao estilo raro de encenação de Jacques Tati, um bom humor silencioso baseado em cenas banais da rotina.
É um tipo de filme que aparenta não ter pretensões, sendo formado basicamente por uma junção aleatória de pequenas cenas sem grande envolvimento dramático. O protagonista vai até o mercado, compra e vende qualquer coisa, e volta para casa; sai mais tarde, encontra a namorada, e depois um amigo. O que eleva o filme é um ótimo senso de humor urbano, ressaltado por técnicas criativas de narração.
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