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Festivais

15o. Tiradentes (2012) noites 7 e 8

Arquitetura, burocracia, política, liberdade

Por Luiz Joaquim | 28.01.2012 (sábado)

TIRADENTES (MG) – Não deixa de ser curioso, e pertinente, que a exibição de “HU”, documentário de Pedro Urano e Joana Traub Cseko, tenha sido projetada aqui na 15a. Mostra de Cinema de Tiradentes na quinta-feira, um dia após a queda de três edifícios no Rio de Janeiro.

Isto porque “HU” registra a falência de metade do Hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cuja construção iniciou nos anos 1950, num processo modernista dentro de uma política utópica getulista, mas cujo fim, a gigantesca construção só veio a conhecer, em sua inaguração em 1978. O detalhe é que funcionando apenas em metade do prédio.

“HU”, pela estética, divide sua tela com duas imagens por várias vezes, e identifica as doenças do homem com a doença da burocracia que impediu a conclusão de parte da construção.

Na sexta-feira (27), a grande estrela da noite foi o híbrido de documentário e ficção “A Cidade É Uma Só?” que veio do Distrito Federal pelas mãos de Adirley Queirós. “A Cidade É uma Só?” foi notícia em setembro do ano passado, por ocasião do Festival de Brasília, quando Adirley retirou o filme da programação do festival em protesto pelas mudanças sofridas pelo evento em 2011.

Conta a história do ficcional Díudu (Dilmar Durães) candidato a eleição pelo Partido da Correria Nacional em Ceilândia, cidade satélite de Brasília com 700 mil habitantes (em Brasília moram cerca de 250 mil pessoas).

Ao mesmo tempo, Adirley documenta a busca de uma senhora pelas imagens que ela fez quando criança, inocentemente, para uma campanha de erradicação e invasão (CEI) promovida pelo governo de Brasília no início dos anos 1970, e que viria formar a Ceilândia, entre outras cidades satélites com todos os problemas pelos quais elas ainda passam hoje.

Interpolando entre estes dois personagens, Adirley cria um filme vigoroso e pontiagudo, mas sem soar militante. Na verdade sua mensagem é dita de forma suave, com a ajuda do humor sempre presente pela autenticidade de Durões como o candidato minúsculo de Ceilândia contra outros gigantes.

São vários os momentos inesquecível que reforçam a beleza e pertinência de um personagem como Díudu. Seja quando ele empurra o carro velho da campanha para pegar no tranco, seja quando grava seu jingle. É uma musiquinha que não sai da cabeça ou, nas palavras do seu compositor: “eu queria fazer uma música bem agradável….. e gângster”

Anotações para um debate sobre “Estradeiros”, de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro

Participei hoje, a convite do 15º Festival de Cinema de Tiradentes de um debate entre crítico, realizador e público sobre o documentário “Estradeiros”, de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro. Transcrevo aqui algumas das anotações preparadas para o encontro de hoje (28) pela manhã.

A primeira observação a fazer não pode outra a não ser a vertigem da abertura do filme, E são imagens da cidade. Numa livre associação, percebemos a cidade como torta, de cabeça para baixo.

Mas, mais que uma associação, há ali uma subversão do olhar do espectadot feito pela fotografia de Pedro Urano. A câmara transforma esse espaço em outro. Por mais não-lógico que seja, há uma sensação esquisita quando se vê o mar no lugar do céu e o céu no lugar do mar. Nos deixa pensando que a água vai derramar, que o avião vai cair,que o barco vai escorrer pra baixo. Não que essa opção de enquadramento nunca tenha sido usada no cinema, mas os contextos são outros.

Ainda sobre o movimento em torno do próprio eixo da câmara, um pouco mais adiante no filme, a paisagem da montanha deixa de ser a paisagem da montanha e passa a ser outra coisa sem nome. O obelisco na Avenida 9 de Julho, em Buenos Aires, deixa de ser o obelisco e pode ser lido como a agulha de uma bússula, o ponteiro de um relógio, uma arma, um foguete. São esses efeitos simples, mas bem encaixados no entorno do discurso do filme que obrigam o espectador a reeducar o seu olhar.

E, também nessas intervenções que nos faz ver uma imagem mas pensar numa outra coisa, está movimento acelerado de carros (já experimentando no curta anterior da dupla “Praça Walt Disney”), carros que correm numa estrada bem sinuosa, remete a um autorama, brinquedo popular entre os garotos nos anos 1980.

Um terceiro momento como esse projeta imagens sobre uma rocha com desenhos milenares. Há aí uma ressignificação das duas imagens – a das rochas,e as que são ali projetadas. Nessa situação, nos parece menos importante o que estas duas imagens tem a dizer que uma terceira imagens que resulta da junção das duas.

Ou seja, surge ali uma terceira coisa que leva a um outro lugar.

No caso específico, me encanta como os desenhos da rocha imprimem na pele das pessoas ali projetadas. Elas aparecem como uma espécie de tatuagem sobre essas pessoas. Tatuagens em movimento e em perfeita harmonia com o estilo de vida dos estradeiros (muitos dos que aparecem no filme têm tatuagens).

Sobre essa consonância, essa coerência do filme com seus personagens, vale dizer que que o filme a persegue não apenas na forma, mas na estrutura.

Assim como a maioria dos documentários, acredito que as filmagens de “Estradeiros” foi se deixando impregnar pelo acaso. Mas, mais que em outros documentários,, percebo que aqui isso aconteceu em maior proporção. Por mais que Sérginho, Renata e equipe tivessem um plano de trabalho e um roteiro a seguir, vejo que que eles devem ter furado esse roteiro em função do algo que se apresentou a eles nas viagens que fizeram.

E nada mais coerente que se deixar levar pela emoção da viagem para fazer um filme que tenta mostrar a filosofia dos estradeiros.

Como uma espécie de conclusão, diria que um dos momentos mais emblemáticos de “Estradeiros” acontece quando um personagem diz para você olhar para o céu que se mostra atrás dele, e que tecnologia demais pode corromper a alma. E que é preciso ficar atento a isso. Ele pega no chão, junta areia e beija a terra.

A atitude é como uma tradução do espírito dos estradeiros. Eles não estão no mundo. Eles são o mundo.

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