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Críticas

A Invenção de Hugo Cabret

História de cinema e respeito em 3D

Por Luiz Joaquim | 17.01.2012 (terça-feira)

Ninguém melhor que Martin Scorsese, notório cineasta e cinéfilo, para fazer “A Invenção de Hugo Cabret – 3D” (The Invention of Hugo Cabret, EUA, 2011). O filme, que estreia hoje no Brasil, é o campeão de indicações ao Oscar 2012, cuja cerimônia de premiação acontece na noite do domingo após o Carnaval (dia 26). São 11 as chances que a superprodução – de US$ 170 milhões, já saudada como salvadora do formato tridimensional – têm de levar a estatueta dourada: filme, direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia, figurino, direção de arte, trilha sonora original, efeitos visuais, edição de som e mixagem de som.

Apaixonado pela história do cinema desde criança, e hoje um empenhado pesquisador e conservador desta história, foi lendo o livro há quatro anos para outra criança – sua filha Francesca, hoje com 11 anos, que Scorsese decidiu levar às telas a história de Brian Selznick. Na verdade foi Francesca quem recomendou ao pai o desafio da adaptação: “Por que você não faz um filme sobre isso?”, disse ela. Passados quatro anos após a pergunta ao pai da pequena Francesca (que faz uma aparição no filme), temos agora, desde décadas, uma das mais tocantes obras que remetem ao próprio cinema.

Com “Hugo”, Scorsese saiu do habitat natural de seus filmes, nos quais gângsteres, pugilistas ou taxistas são sempre violentos ao extremo. À revista “People” o diretor revelou que no set de filmagens, sempre cercado por crianças de todas as idades, estava sempre conversando sobre o dente que estava caindo, ou chegando, de alguém do elenco.

O roteiro de John Logan (mesmo de “Rango” e “O Aviador”) nos leva a Paris dos anos 1930, quando Hugo (Asa Butterfield), aos 12 anos, ajusta sozinho os diversos relógios da estação ferroviária. Órfão de mãe, depois que perde o pai (Jude Law) e o tio, vive escondido do durão, mas tímido, inspetor da estação (Sacha Baron Cohen, o “Borat”) e seu inseparável cachorro.

Como um ratinho assustado que só circula pelo interior das paredes da estação, Hugo tem um sonho: reativar o boneco autômato, que seu pai, relojoeiro, tentava consertar. Solitário como ninguém, o que ele quer mesmo é, com o autômato consertado, poder relembrar do pai. Em busca de peças para o objeto, ela tentar roubar a loja de brinquedos de um velho vendedor da estação. Nesse contato, ele descobre que o autômato e esse velho rabugento têm uma ligação que vai apresentar a Hugo a origem do cinema na figura de um personagem real: Géorges Méliès (1861-1938), que na dramatização de Scorsese é vivido por Ben Kingsley.

Sobre Méliès, pode-se resumir que ele foi o homem que acrescentou o molho do fantástico e da magia do cinema, como conhecemos até hoje. Ele próprio um mágico, ficou fascinado quando em 1895 viu o cinematógrafo, a invenção dos Irmãos Lumiére que registrava e projetava filmes. Se os Lumiére não viam futuro naquela maquininha, Méliés percebeu ali uma mina de ouro. No ano seguinte, o mágico já tinha sua própria máquina e começou a fazer filmes em que carros desapareciam ou sua cabeça era “arrancada” do próprio corpo, para o espanto e incompreensão dos espectadores.

Até 1913, Méliès reinou com seus curtas-metragens fantásticos, cujo mais célebre é “Viagem a Lua” (1902), mas com a chegada da 1ª Grande Guerra, o cinema foi deixado de lado e Méliès perdeu tudo. Chegou a ser dado como morto e precisou vender doces para sobreviver. Até que no final dos anos 1920 foi redescoberto e celebrado como o grande mestre do cinema que era.

A última vez que Méliès foi celebrado com dignidade no cinema foi em 1952, com a cinebiografia “O Grande Méliès”, dirigido por Georges Franju, com o filho André Méliès interpretando o pai. Com “Hugo”, Scorsese resgata não apenas a memória do mágico, mas a do cinema. E isto está impresso em cada quadro de “Hugo”.

É possível enxergar o brilho nos olhos do próprio menino Scorsese no brilho dos olhos da amiga (Chloe Grace Moretz) de Hugo, quando este a leva ao cinema para seu primeiro filme, “O Homem Mosca” (de 1921, com Harold Lloyd). Há um empenho (bem sucedido) de Scorsese em recriar os efeitos do próprio Méliès, ou da história do cinema, ao contar o destino de Hugo e refazer o acidente de trem, ou colocando o moleque pendurando num relógio como o próprio Harold Lloyd.

É uma combinação perfeita que, no efeito 3D encontrou sua verdadeira vocação mágica. “Hugo Cabret”, ao contrário da maioria das filmes 3D-falcatrua lançados toda semana nos multiplex, foi pensando e realizado com um olho atento no formato tridimensional. É um filme que pede ao seu espectador para sentar nas primeiras filas.

Não é a toa o que dizem. Que “Hugo” pode salvar o 3D, pois desde “Avatar” (2009), de James Cameron, não se via nada tão convincente neste sentido. A própria abertura de “Hugo” já é suficientemente encantadora e sabe-se que o próprio Cameron comentou que os efeito 3D em “Hugo” são mais envolventes que no seu filme. Antes da chegada de “Hugo”, executivos de grande estúdios não sabiam se a lua-de-mel entre o mercado e o 3D iria durar por muito tempo. Com este belo exemplar, Scorsese prova que inteligência e sensibilidade pode fazer deste casamento algo bom e frutífero.

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