As Canções
O brilho do homem comum
Por Luiz Joaquim | 06.01.2012 (sexta-feira)
Em junho de 2011, tivemos a oportunidade de encontrar o cineasta Eduardo Coutinho na 21º Cine Ceará. Lá, conversamos, entre outras coisas, sobre seu novo projeto, “As Canções”, que entra em cartaz amanhã no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco.
Na época, o filme tinha acabado de ser rodado, estava em fase de montagem e nem tinha título. Coutinho começou a conversa brincando, dizendo que seu produtor João Moreira Salles sofreria para resolver o novo filme. “Com ‘Moscou’ (2009), comecei, rodei e saí do filme em crise”, recordou. “Crise que surgiu ao encerrar ‘Jogo de Cena’ (2007), quando levei muito mais tempo para rodar. Já o novo projeto me tomou uma semana de gravação. ‘Jogo de Cena’ é um ‘Titanic’ perto deste”.
PROJETO
A gênese de “As Canções” está com o mestre Coutinho há muito tempo. “Eu queria registrar pessoas cantando músicas de Roberto Carlos, mas a estrutura aqui é a de ‘cante e conte’. A pergunta essencial é, por que as pessoas cantam? Saímos em busca de pessoas comuns no centro do Rio Janeiro, montamos uma estrutura no Largo da Carioca, onde encontramos classe média, gente paupérrima, todos os tipos”.
TEMA
“Só me interessava se o cara fosse bom na interpretação e na história que contava. Mas não me interessava que falassem de questões estéticas ou técnica sobre a música. Lá montamos um cenário com um fundo preto e uma cadeira, a mesma de ‘Jogo de Cena’, com uma câmera em um tripé. Só isso. Trabalhei como um São Francisco de Assis filmando o pecado do mundo. Curiosamente ninguém cantou musica estrangeira, nem funk, coisa até que eu queria”, brincou.
“E homem não fala quando é ‘corneado’. Homem chora quando fala do pai. As pessoas se entregam ao filme de uma forma absurda. Observo que o povo no Brasil se expressa pela música desde sempre. E falo isso fora do folclore todo que criaram: Tom Jobim, escola de samba, etc. Não precisa se alfabetizado para isso. O livro não deu certo com o povo como a música. Dessa forma, pela música, entra tudo: machismos, paixões, as perdas”, sintetiza.
TÉCNICA
“Se há algum talento em mim, é o de estabelecer um diálogo. O que há de difícil é saber qual a distância. Não ficar muito junto demais, não ficar muito longe. Estar presente, estar ausente. E não julgar. Muito menos a estética. Esse troço é complicado, e não dá pra por num livro”.
AUTORIA
“Ah, autoria pra mim é como o sexo dos anjos. E não é falsa modéstia nem frescura. Mas penso, e isso é contraditório, que todos os filmes compõe no conjunto uma obra, o que já é também altamente arrogante. Isso me basta. A vida é curta, e já está grande demais”.
E completa: “Ter a chance de fazer filmes já é maravilhoso. E o mistério persiste: Por que as pessoas têm necessidade de falar? Mulheres em particular, eu percebo. É espantoso, pois as pessoas contam coisas profundamente humilhantes. E aqui eu fico confiante porque percebo nelas um alívio extraordinário. O único crime que você não pode cometer, e já cometi em ‘Santo Forte’ (1999), é fazer a pessoa achar que ele foi mal na entrevista”, revela. “A mentira piedosa é essencial aqui”.
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“As Canções”, o brilho do homem comum
LUIZ JOAQUIM
“As Canções” (Bra., 2011), de Eduardo Coutinho, foi em setembro de 2011 no Festival do Rio eleito o melhor filme pelo júri popular e o melhor documentário do júri oficial. No filme a idéia é, a princípio simples: fazer as pessoas falarem da “música de sua vida” e como ela se tornou tão importante assim além de, claro, os personagens cantarem para a câmera.
O cenário é um palco escuro com uma cadeira escura, no qual o brilho vem apenas dos 18 entrevistados. Com “As Canções”, Coutinho volta ao processo fílmico que vinha construindo até “Jogo de Cena”, obra que o colocou numa caçapa pela engenhosidade narrativa. “As Canções” não é, entretanto, um filme menor por isso. Pelo contrário, é mais uma prova da capacidade do documentarista em extrair o melhor do ser – humano e a eles devolver este ‘melhor’ em forma de imagem e som.
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