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Críticas

Cavalo de Guerra

A beleza, como nos velhos tempos

Por Luiz Joaquim | 06.01.2012 (sexta-feira)

Quando um profissional é, há décadas, mundialmente reconhecido como uma referência na área em que atual, não é por sorte, ou por coincidência, por acidente ou acaso. É por competência que esse reconhecimento existe. E se alguém estiver esquecido do que significa o nome Steven Spielberg para o cinema é só ir, a partir de hoje, ao multiplex mais próximo e assistir “Cavalo de Guerra” (War Horse, EUA, 2011), seu 27º longa-metragem que chega a tela grande.

O novo trabalho de Spielberg tem tanto de próximo, quanto de distante dos clássicos que o fizeram famoso nos anos 1970 e 1980 – como “Tubarão”, “Contatos Imediatos do 3º Grau”, “Os Caçadores da Arca Perdida” e “E.T.: O Extraterrestre”. De próximo há o espírito pela aventura, há a excitação infantil ou juvenil pela justiça e liberdade, e há a relação com algo inumano, algo que seu protagonista não entende totalmente (aqui no caso um Cavalo), mas é por ele absolutamente seduzido.

De distante há um rigor técnico na produção de “Cavalo de Guerra” que beira ao absurdo do preciosismo. Não que os títulos citados acima fossem relaxados neste quesito, mas a nova produção de Spielberg vai num novo sentido. Aquele em que seu criador parece querer resgatar o espírito grandiloqüente do cinema, de vínculo direto à “Era de Ouro” de Hollywood nos anos 1940 e 1950 (e, por conseguinte, ao senso comum do que seja um autêntico cinemão).

Para apresentar o drama de Albert (o estreante Jeremy Irvine), um adolescente de uma pobre família em 1914, que cria o cavalo Joey e se vê obrigado a abrir mão dele para a cavalaria britânica utilizá-lo na 1ª Guerra Mundial, o cineasta fui fundo nos detalhes daquele que é a excelência do cinema norte-americano, o western, sendo aí os filmes do diretor John Ford (1894-1973) a referência absoluta.

Estes detalhes não se atêm na perfeição das especificidades técnicas, como a inacreditável direção de arte, cenografia, locações, figurino, coreografias de lutas, nem tampouco na fotografia, som ou montagem. Na verdade, os detalhes funcionam combinados, formando um conjunto de elementos que resgatam a estética de 60, 70 anos atrás em Hollywood. Entrar na sala de cinema para uma sessão de “Cavalo de Guerra” equivale a entrar numa máquina do tempo audiovisual. E não seria equivocado imaginar que diversas gerações, pela primeira vez verão uma textura cinematográfica como as impressas no novo Spielberg.

Nesse sentido, o espectador mais atento (ou mais experiente), irá perceber também que enquadramentos em “Cavalo de Guerra” não têm apenas uma informação a nos dar, como o cinema vem nos acostumando a enxergar nos últimos anos. Têm diversas, e é o espectador quem ficará a vontade para direcionar seu olhar. Já de início é fácil de encontrar exemplos para tanto. Quando o senhorio (David Thewlis) vem cobrar o aluguel aos pais de Albert (Peter Mullan e Emily Watson), Spielberg mostra o quão amplificador para a dramaturgia pode ser o enquadramento de uma câmera se ajustada a uma boa luz. Sem esquecer que o desenho de som nos diálogos aqui também são estranhamente sedutores.

A precisão do enquadramento

Como se não bastasse o torrencial de imagens composta com o esmero do melhor que a imagem em movimento pode gerar a partir de, mais uma vez, a “Era de Ouro” de Hollywood (atenção para a invasão pelo milharal da cavalaria britânica contra os alemães), “Cavalo de Guerra” também nos chama a atenção para questões político-históricas.

Quando Joey torna-se a montaria do capitão inglês Nicholls (Tom Hilddleston), ele começa uma trajetória que passa pelos soldados alemães, por uma família camponesa da França, pelos alemães mais uma vez, até voltar aos ingleses. Nesse percurso, o cavalo Joey serve como vítima das várias faces da guerra. Sendo um animal, ele não a julga, é apenas testemunha dela, assim como nós espectadores.

Outro aspecto marcante está no fato de que, passados os quatro anos da 1ª Guerra, o mundo mudou sob o pulo da tecnologia bélica impulsionada pelas batalhas. Se em 1914 vemos soldados preocupados com a beleza o qualidade do forro de seus quepes, e acompanhamos um ataque campal da cavalaria, com pouca diferença de uma batalha medieval, em 1918 já estamos diante de trincheiras imundas, com metralhadoras, granadas e tanques de guerra feitos de ferro, pesando toneladas.

No meio de tudo isso, Spielberg nos oferta o cada vez mais raro benefício de enxergar seres-humanos e animais reais em cena. Ao contrário da ditadura do efeito digital no cinema contemporâneo, em “Cavalo de Guerra”, eram sim dezenas, centenas de figurantes e animais no set de filmagem (diz-se que apenas duas tomadas contam com efeitos digitais). E não precisa ser especialista para entender o efeito plástico que gente e bicho de carne e osso podem provocar na retina do espectador.

A história de “Cavalo de Guerra” vem do livro infantil de Michael Morpurgo, lançado há 30 anos, mas Spielberg resolveu transpô-lo para o cinema ao ver a versão para o teatro de Nick Stafford há três anos. Conta-se que o diretor de “A Lista de Schindler” chorou ao ver a história de Albert nos palcos londrinos, sendo Joye interpretado por marionetes com o tamanho natural de um cavalo. Agora é Spielberg quem dá a chance a cinéfilos espalhados pelo mundo inteiro de se emocionarem com a odisséia de Joye e seu dono.

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