A Guerra Está Declarada
Luta contra si numa corrida contra a morte
Por Luiz Joaquim | 10.02.2012 (sexta-feira)
O estranhamento deste intrigante filme francês, sobre um jovem casal que segue a vida enquanto cuida do tratamento de seu bebê contra um tumor, está estampado logo no título: “A Guerra está Declarada” (La Guerre est Déclarée, Fra., 2011), de Valérie Donzelli. Guerra contra quem? Não há ninguém para eles lutarem, a não ser com eles mesmos. Pois há a vida, que não pode parar; mesmo que a existência de um ente querido esteja por um fio.
Uma cena que resume bem a constatação de que não há a quem culpar pela provação que passa Julieta (a própria Donzelli) e o marido Romeu (Jérémie Elkaim, ex-marido de Donzelli e co-roteirista, com ela, do filme). Na tal cena, Julieta encontra na rua uma amiga que não via há anos, e dela escuta a pergunta de como é o seu bebê. Julieta explica, “ele tem câncer”.
Contra a insistente pergunta da amiga para qual é a razão da doença, Julieta simplesmente diz: “Não há. Não é hereditário. Pode acontecer a qualquer um”. É aí que está o grande terror em que se constitui a história de “A Guerra Está Declarada”. Em um outro momento, Romeu faz uma pergunta retórica a Julieta: “Por que nós? Por que Adam (o bebê)? Se estávamos tão felizes…”. A propósito, a diretora Donzelli e Jérémie passaram, na vida real, pelo problema que o filme apresenta.
Há até uma brincadeira com o nome dos personagens. Logo na abertura, Romeu e Julieta se conhecem e começam uma pequena numa boate punk, ruidosa, animada. Quando descobrem um o nome do outro, brincam dizendo: “Então tem um destino trágico marcado para nós”. Nada mais profético, só “A Guerra Está Declarada” não se entrega ao trágico, e sim mostra como lidar logicamente com ele. O que não deixa de ser um “modo bem francês” de lidar com ele (o problema).
Com o filme, a dupla tenta retratar a maneira mais honesta que eles conseguiram (se é que exista algo assim) para encarar tal dificuldade. As idiossincrasias do casal, sua tagarelice e correrias soam aqui como típicas de uma jovem família da classe média parisiense. Do ponto de vista estético, da velocidade da montagem, da música clássica ao fundo, da narração em off, quase literária, descrevendo as cenas que já estamos vendo nas imagens, resgatam uma certa maneira livre de filmar, próprias de produções da Nouvelle Vague, em particular de François Truffaut.
Mas não há a doçura de Truffaut. Há o carinho infinito do pais pelo filhote, mas sob a perspectiva sempre da perda e do sofrimento, com eventuais picos de autêntico humor (pois a vida não é 100% triste nem 100% feliz). “A Guerra Está Declara” é um filme que tem algo a ensinar, sem ser professoral. Ainda assim, a senhora que estiver grávida deve pensar duas vezes antes de encarar tanto sofrimento por conta de um filhotinho na tela.
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Guerra de natureza cruel
HUGO VIANA
Em alguns casos, um filme se destaca quase exclusivamente pela história que conta, pelo nível emocional do enredo. Embora tecnicamente correto, “A Guerra Está Declarada” (França, 2011), filme selecionado pela França para concorrer a uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro (não conseguiu), ganha mesmo pelo coração enorme, pela sensibilidade ao narrar um fato real.
É um filme em que Romeu (Jérémie Elkaïm) conhece Julieta (Valérie Donzelli, também a diretora) meio por acaso numa festa; eles brincam: teremos também um destino trágico? A resposta vem dolorosa durante 1h40; e sim, eles terão.
Eles se casam, enfrentam dificuldades naturais àqueles que dividem intimidades, e decidem ter um filho, Adam. Aos 2 anos Romeu e Julieta percebem que essa coisinha linda de bochechas rosadas além de apenas chorar e colocar comida para fora tem uma pequena assimetria facial e não consegue andar sozinho. Os médicos fazem exames e descobrem que se trata de um câncer no cérebro, e as notícias são cada vez piores.
É um filme muito duro sobre a completa abdicação pessoal pelo outro numa luta de natureza cruel e que não tem explicação. Embora seja um filme que se sustenta pela história, pela alta voltagem dramática dos acontecimentos, e em especial pelos protagonistas, os dois incríveis, parece tratar-se também de uma homenagem emocional aos espectadores que passaram por alguma situação de dor concreta.
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