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Reportagens

Truffaut, 80 anos

Aniversário de um cineasta apaixonado

Por Luiz Joaquim | 06.02.2012 (segunda-feira)

Quando ele morreu, em 21 de outubro de 1984 vítima de câncer, aos 52 anos, não só a França entrou de luto, mas também toda uma comunidade de cinéfilos ao redor do mundo. Se vivo estivesse, François Truffaut completaria hoje 80 anos e provavelmente teríamos bem mais que os 21 longas-metragens que o enfant terrible conseguiu realizar ao longo de seus 28 anos de carreiro como cineasta.

Forçando uma comparação absurda, se Truffaut estivesse vivo e no mesmo ritmo do seu colega da época fundadora do movimento “Nouvelle Vague” – Jean-Luc Godard (81 anos) – talvez hoje tívessemos mais 11 longas-metragens do cineasta que amava as mulheres, os cinema, as crianças, a literatura.

Discipulo de Jean Renoir, Roberto Rossellini e Alfred Hitchcock, Truffaut começou a fazer barulho no cinema antes mesmo de fazer fimes. Seu primeiro cinema foi realizado através da escrita. Da crítica de cinema, precedida pela cinefilia que o acompanhava desde os sete anos de idade. Com esta idade, ele começou a ir assiduamente ao cinema, além de tornar-se um leitor voraz, mas não um bom aluno – aspecto que pode ser reconhecido no personagem infantil de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) em “Os Incompreendidos” (seu primeiro longa, de 1959).

Quando vemos o moleque Doinel roubando, num cinema, a fotografia de Harriet Andersson do filme “Mônica e O Desejo” (1953), de Ingamr Bergman, é ao moleque Truffaut que observamos. Certa vez, numa entrevista, ele declarou que vendia jornais na rua para conseguir dinheiro. “Fiz gazeta para assistir aos meus primeiros 200 filmes. Mas deixei de ver filmes de época e de faroeste, pois tinha dificudade de me identificar com eles. Restaram os filmes de mistérios e os de amor”.

Seguindo o interesse pelo suspense, Truffaut e os colegas da “Cahiers…” foram os primeiros a dar o verdadeiro valor às obras de Alfred Hitchcock “Se o cinema fosse uma religião, Hitchcock seria seu sumo-sacerdote”, comentou certa vez. Este interesse gerou, no seu trabalho como crítico de cinema, o clássico lívro de entrevistas com o mestre do suspense, publicado em 1967. Como cineasta, Truffaut gerou nesta linha os filmes “Atirem no Pianista” (seu segundo longa, de (1960), “A Noiva Estava de Preto” (1968) e “A Sereia do Mississipi” (1969).

O adolescente Truffaut deixou a escola aos 14 anos para começar a trabalhar, e aos 15 fundou um cineclube. Lá conheceu André Bazin, nome fundamenal da crítica de cinema no mundo e editor da influente revista “Cahiers du Cinéma”. Com Bazin, que viria a tornar seu protetor, o delinquente Truffaut encontrou uma figura paterna não apenas para a vida (Bazin o tirou da prisão por o jovem ter desertado o exército), mas também para a vocação cinematográfica.

Em 1953, Bazin publicou o primeiro texto de Truffaut na Cahiers… , o que faria surgir uma nova linha de pensamento articulado para o que deveria ser o moderno cinema francês. Essas idéias foram ganhando força com os artigos da “Política do Autor” e “Uma Certa Tendência do Cinema Francês”, que, em certa medida, renegava as tradição das produção francesas até aquele momento, com suas “condutas de qualidade técnicas”, e instituia que um filme deveria traduzir, como uma assinatura, as ideias de seu diretor.

Em 1954, Truffaut fez seu primeiro curta-metragem “Uma Visita”, em caráter experimental, e dois anos depois serviu como assistente numa produção de outro ídolo, o italiano Roberto Rosselini.

Em 1957, casou-se com a filha de um importante distribuidor de filmes na França e abriu a empresa “Les Films du Carrosse”, nome dado em homegem ao filme “Le Carrosse D’Or” (1952), de Jean Renoir. Com a empresa, Truffaut fez aquele que é considerado sua primeira real incusão no cinema: o curta “Os Pivetes” (1957), e depois em 1959, o longa “Os Incompreendidos”, vencedor no Festival de Cannes com a melhor direção e também indicado ao Oscar de estrangeiro em 1960.

Em 1959, também nasceu sua primeira filha, Laura, e depois vieram Eva (1961), que aparece em “Idade da Inocência” (1976) – um tratado sobre os encantos e a força da infância e a descoberta do amor -; e depois nasceu Josephine (1982), concebida com a atriz Fanny Ardant (estrela dos seus filmes “A Mulher do Lado” (1981) e “De Repente num Domingo”, seu último filme, de 1983).

De certa maneira, uma certa tristeza (mas bem humorada) sempre acompanhou o olhar do cineasta seja para a infância, seja para o vida madura. Mas entender esse sentimento só era possível para Truffaut, se o amor acontecesse. Com seus filmes, o cineasta mostrava que o amor era a experiência essencial do ser humano.

Fosse o amor pela mulher “Jules e Jim: Uma Mulher para Dois” (1962), “As Duas Inglesas e O Amor” (1971); “A História de Adele H” (1975), “O Homem que Amava as Mulheres” (1977), “A Mulher do Lado”; fosse pelos livros “Fahrenheti 451” (1966, seu único filme rodado fora da França e falado em inglês); pelo cinema “A Noite Americana” (1973); fosse pelas crianças “Idade da Inocência”.

Mas não há, certamente, um conjunto de filmes que traduza melhor a história de François Truffaut que os cinco filmes, realizados num período de 20 anos (entre 1959-1979), a partir de um mesmo personagem: Antoine Doinel (sempre interpretado por Léaud). Depois de “Os Incompreendido”, vieram o curta “Antoine et Colette” (1962); “Beijos Proibidos” (1968); “Domicílio Conjulgal” (1970) e “O Amor em Fuga” (1979).

Para cada um deles é possível acompanhar o crescimento não só físico de Antoine (o alter-ego de Truffaut) mas também o intelectual, cultural, social e amoroso. Se no primeiro conhecemos o menino Antoine carente de uma família, no segundo vemos sua primeira desilução amorosa, para no terceiro vê-lo aproveitar a felicidade de conhecer as mulheres. No quarto, Antoine é um homem casado, procurando entender essa condição, assim como a da paternidade. No final, ele está desquitado, recomeçando a vida, mas com o mesmo frescor e perplexidade pela fascinação com o amor. Sentimento que sempre perseguiu François Truffaut. Ou o inverso.

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