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Críticas

Hebemus Papam

Um Papa humana

Por Luiz Joaquim | 23.03.2012 (sexta-feira)

Vamos começar pelo fim. Em “Habemus Papam” (Ita., 2011), filme de Nanni Moretti que estreia no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, um Papa (Michel Picolli) recém-eleito pelo conclave nega-se a ser o líder mundial da Igreja Católica. Ele não suporta o peso dessa responsabilidade. Sofre porque não consegue esconder que não se sente apto a liderar um mundo cada vez mais sofrido e desorientado. Fraqueja como um ser – humano e assim se apresenta. Dada a notícia, o que pensar então deste mundo em que vivemos se nem mesmo o homem escolhido por Deus para cuidar de seus filhos tem forças para isso?

É com essa tapa na cara que Moretti provoca a todos seus espectadores, e também à Igreja Católica. É mesmo uma grande provocação este seu roteiro em que coloca o principal representante da Santíssima Trindade na Terra como um velhinho tão frágil a ponto do porta-voz do Vaticano (Jerzy Stuhr) convocar o melhor psicanalista italiano (Moretti) para tratar o Santíssimo.

Tal situação é um prato cheio para Moretti se divertir (e nós divertir) com os humorados conflitos que ele cria para diferenciar os problemas do espírito co-habitando (ou não) com os da mente. A graça mesmo, entretanto, está no tratamento que tenta aplicar ao Santo Padre. Tendo de promover a sessão terapeuta cercado e sob a observação cerrada de todos os Cardeis do conclave, Moretti não pode lhe perguntar sobre frustrações, sobre a infância e, nem pensar, sobre sexo.

Acuado pela urgência do anúncio do novo Papa para um bilhão de católicos espalhados pelo mundo, e para dezenas de milhares de fieis que aguardam na Praça de São Pedro a aparição do Santo Homem no balcão da Basílica, o porta-voz do Vaticano põe em prática um plano que sai errado e obriga a todos os Cardeais a ficarem retidos na Basílica por dias, inclusive o psicanalista. Ninguém pode ter contato com o mundo externo até o Papa ficar bem.

Para matar o tempo, Moretti cria uma competição esportiva entre os Cardeais. Mas antes de chegar neste ponto, pelo qual o experimentado cineasta (“O Quarto do Filho”, “Aprile”, “Caro Diário”) traz à tona as fragilidades dos líderes religiosos – ressaltando aspectos comuns a qualquer humano, como o espírito competitivo e, derivado daí o ciúmes e as carências – o diretor vai brindando o espectador com outras destas pistas em que mistura o humor com alfinetadas na imponência e pompa do poder católico.

Sempre com elegância, embalada pela trilha sonora de Franco Piersanti, ora esmagadora com corais religiosos, ora divertida com mínimas notas musicais, Moretti criou um filme delicioso, cujas estruturas das cerimônias, do figurino e do cenário – incluindo afrescos na Capela Sistina -, combinam-se para, além da graça da situação, encher nossos olhos pela força e responsabilidade dessa instituição com mais de dois mil anos.

Tanto apuro cinematográfico rendeu mais de dois minutos ininterruptos de aplausos quando o filme foi exibido pela primeira vez em Cannes do ano passado. Ao final, entretanto, o gosto não é doce. A amargura vem de uma pergunta que Moretti parecia querer dizer com tudo o que está por trás desse filme: “Se Deus desistiu de nós, o que virá a seguir?”.

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