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Críticas

Tomboy

A infância nua

Por Luiz Joaquim | 16.03.2012 (sexta-feira)

O Cine Rosa e Silva estreia o envolvente “Tomboy” (Fra., 2011) de Céline Sciamma, já conhecida por aqui pelo também marcante “Lírios D’Água” (2007). Como no anterior, “Tomboy” concentra-se no universo juvenil. Mas se em “Lírios D’Água” Sciamma olhava com acuidade o despertar sexual de três amigas por volta dos 15 anos enquanto aprendiam nado sincronizado, no novo filme a cineasta entra num universo ainda mais complexo. Desce a idade de sua protagonista – a menina Laure (Zoé Heran) tem dez 10 anos – e nos permite entrar na sua confusão entre o gênero sexual feminino e masculino.

Laure acaba de mudar de endereço com os pais e a irmã menor, Jeanne (a encantadora e sapeca Malonn Lévana) de 6 anos. Com a mãe grávida de nove meses e o pai no trabalho, Laure é bastante independente nos seus gostos. Ela usa o cabelo curto como o de um garoto além de usar também roupas de menino. Está sempre de bermuda e camiseta em seu período de férias da escola.

Laure – ou melhor Michael, como se apresenta aos colegas do novo condomínio onde mora – é de uma família de classe média, harmoniosa e vive feliz brincando com a pequenina Jeanne. Um dos pontos positivos, entre tantos, do roteiro de Sciamma é que ele não perde tempo tentando nos explicar o porquê da predileção da menina pelo estilo de vida dos meninos. Além das roupas, sabemos que Laure prefere a companhia deles e olha com desejo o futebol dos moleques.

Despreocupados com a predileção da filha, os pais não sabem entretanto que Laure se apresenta como um menino entre os coleguinhas da rua (e de forma convincente), e nesse processo vamos acompanhando a angústia de Laure nas diversas situações das brincadeiras – no futebol, na natação – para não “entregar” aos meninos o seu segredo. O processo fica ainda mais sofrido quando Laure percebe e encoraja a simpatia de outra menina por ela. A garota Lisa (Jeanne Disson) flerta com Laure/Michael exatamente porque acha ele diferente dos outros meninos. O espectador já sabe onde isso vai parar, e por isso sofre a cada nova dificuldade em que Laure se mete.

Mas Sciamma dá a dimensão precisa do drama. Laure, Lisa e Jeanne estão na puberdade e a ambientação criada pelo diretora resolve muito bem este universo. Passado quase que inteiramente entre o apartamento de Laure – numa atmosfera familiar aconchegante – e os arredores bucólicos do condomínio, “Tomboy” corre simples, sem pressa, criando seus momentos de tensão num ritmo calmo e sem firulas cinematográficas. Sciamma aproveita muito bem os espaços e o tempo, e parece saber bastante bem que o assunto é muito mais largo do que um filme possa abarcar.

Sua produção é apenas uma ótima observação (e isso não é pouco) sobre a formação da identidade no gênero sexual, definida tanto pela postura, pelas roupas ou predileções quanto pelo desejo sexual. Sem condenar ou exaltar nada, a cineasta apenas mostra a confusa Laure crescendo e ainda descobrindo e buscando entender o próprio corpo, como qualquer ser humano.

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