Passeio pela cultura pernambucana
Antônio Carrilho lança três filmes no Cinema da Fundação
Por Luiz Joaquim | 16.04.2012 (segunda-feira)
Se com o premiadíssimo curta-metragem em 16mm “O Homem da Mata” (2005), o cineasta Antônio Carrilho mostrava sua simpatia pela cultura popular pernambucana e aproximação com o tema – assim como Fernando Spencer fizera décadas antes -, com o lançamento de três novos filmes logo mais, às 20h de hoje, no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, Carrilho finca-se realmente como o realizador local com a maior afinidade e intimidade com o assunto. Isto aparece mais marcadamente pelo média-metragem de 52 minutos, “Pernambuco: As Diversas Identidades”. Os outros títulos na programação são os curtas “Poeta Urbano”, e “Recital de Poesia nos Quatro Cantos de Olinda no Dia de São Jorge”.
As paisagens e os detalhes áridos e extensos que ilustram a abertura de “As Diversas Identidades”, fotografada belamente por Francisco de Assis e Léo Gonzaga, junto à trilha sonora delicada de Leopoldo Nunes, já emprestam uma dimensão do cuidado e audácia que este trabalho significou como realização para Carrilho e sua equipe. Nessa quase uma hora de projeção, o realizador passeia pelo Grande Recife, Sertão e Agreste do Estado, além do Rio de Janeiro e São Paulo (onde entrevista pernambucanos radicados por lá), e nestes percursos escuta desde o depoimento de índios Xucurús, em Pesqueira, até o escritor Marcelino Freire, comentando as influências de sua cidade natal, Sertânia, na sua obra.
Carrilho parece mesmo não deixar escapar nenhum comentário sobre a manifestação cultural popular pernambucana, seja no Interior ou no centro urbano. Para resolver o assunto na metrópole, o diretor cria rodas de conversa com algumas autoridades em diversas expressões artísticas para tentar entender qual a fonte da riqueza de nossa cultura. Estão lá Cláudio Assis, Lírio Ferreira, Leo Sette, Kátia Mesel (no cinema); DJ Dolores, Armando Lobo, Alceu Valença, Zé da Flauta, Cannibal, Roger Man, Isaar, Lirinha, Ívano (música); Lula Cardoso Ayres Filho, Abelardo da Hora, Marcelo Coutinho, Laílson (artes plásticas); Carlos Carvalho, Leidson Ferraz, Manoel Constantino (teatro); Wellington de Melo, Sidney Rocha, Anco Márcio (literatura); além dos historiadores Frederico Pernambucano de Mello e Biu Vicente.
No Interior do Estado, registra as cores fortes e as falas autênticas de integrantes do Maracatu Estrela Brilhante em Igarassu, o Coco o Cavalo Marinho em Ipojuca, Maracaípe e Condado, na Zona da Mata. Já no Sertão ressalta a Confraria do Rosário em Igarassu, o Reisado em Caraíbas e a Missa do Vaqueiro em Serrita. No Agreste, vai ao Alto do Moura pra lembrar da arte do Mestre Vitalino e o teatro do Povo Xucurú do Ororubá.
Do ponto de vista documental, “Pernambuco: As Diversas Identidades” funciona como uma síntese interessante do gigantismo cultural que o Estado oferece – que, como diz Armando Lobo, ainda existe pelo “telúrico que vem do Interior”. Do ponto de vista cinematográfico, o filme surge como um exercício atraente pelo qual Carrilho funde a autêntica expressão popular com o resultado artístico gerado por essa mesma expressão, seja por um viés mais clássica ou mais rudimentar. Exemplo disso está quando vemos a balbúrdia do carnaval olindense sequenciada com a expressão de Lula Cardos Ayres numa pintura linda cujo foco é a mesma coisa.
Retrato cru de uma poesia urbana
Já o híbrido de documento e dramatização que é o curta “Poeta Urbano” lembra a mesma estrutura de “O Homem da Mata”, quando ali Carrilho criou uma história com ímpeto de superheroísmo para ressaltar a força do brincante do Cavalo Marinho, Zé Borba.
No novo filme há até um entrevero num bar, onde o herói, o poeta marginal Urbano, se vê enroscado com a fúria de um valentão (equivalente ao Simião Martiniano de “O Homem da Mata”, mas com um tom triste aqui no novo trabalho, diferente do divertido no anterior). No enredo, seguimos a trajetória diária de Urbano em tentar vender sua poesia pelo jornal “Aciranda: Poesia Urbana 1” (impresso, de fato, e lançado ontem no Teatro Mamulengo, Praça do Arsenal).
Mais uma vez belamente fotografado, desta vez por Mariano Pikman olhando com carinho para a nossa paisagem urbana, o filme “Poeta Urbano”, em 16 minutos, parece conseguir captar uma beleza e melancolia que envolve o protagonista, cercado por um ambiente rico em sensibilidade e crueza. Seja no Recife, seja em Olinda. É um belo exemplar para ver casado ao filme “Febre do Rato”, de Cláudio Assis.
O terceiro filme, “Recital de Poesia..”, explica Carrilho, é um documentário etnográfico com pouco mais de dois minutos. “Este curta, ao contrário dos outros filmes, não surge de um projeto planejado. É uma edição-interpretação do recital de poesias que aconteceu para as filmagens de ‘Poeta Urbano’. É uma forma de não perder um material bastante rico, de uma geração que intercedeu e intercede de forma ativa pela poesia dos anos 1980 até hoje”, conclui.
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