Tarkovsky, 80 anos
04 de abril, aniversário do mestre soviético
Por Luiz Joaquim | 04.04.2012 (quarta-feira)
Há exatos 80 anos nascia o cineasta soviético Andrei Tarkovsky (1932-1986). Chegou ao mundo depois das revoluções vanguardistas que repensaram o papel do artista na sociedade. Na década de 1960, quando ele realizou seus dois primeiros longas-metragens, as concepções sobre a arte já estavam num processo de transformação profunda. Os pensadores da arte contemporânea idealizaram o artista num lugar totalmente diverso do concebido anteriormente, desmistificando a sua atuação na sociedade e ressaltando o seu aspecto intelectual e político.
Tarkovsky não compartilhava dessas visões advindas da arte contemporânea, seus filmes primeiros filmes e seus escritos, em especial o livro “Esculpir o Tempo”, documentaram isso. Com relação à vanguarda russa, inclusive o cinema de Sergei Eisenstein, a obra de Tarkovsky e sua concepção artística parecem não só se diferenciar, mas por vezes se opor diametralmente – como no debate sobre a montagem. Suas referências mais profundas em seu país são a literatura de Tolstoi e Dostoievski, do século anterior. O cinema ele naturalmente defende como obra autoral.
Esta defesa não é exclusividade de Tarkovsky, porém nele essa autoria tem um componente bastante diverso: ela se apresenta como um dom espiritual. Para ele, o artista é como um demiurgo: “O poeta não usa ‘descrições do mundo’; ele próprio participa da sua criação”, diz ele em “Esculpir o Tempo”, escrito nos longos espaços de tempo entre a realização dos seus filmes. Foram apenas sete longas-metragens em toda a sua vida. Ter feito tão poucos filmes – comparado a outros grandes cineastas – não foi uma escolha. A causa foi, principalmente, a dificuldade em realizar o tipo de filme que ele fazia, de caráter profundamente religioso, na antiga União Soviética.
Os longos espaços de tempo entre um filme e outro – em média cinco anos – parecem ter colaborado na densidade dos seus filmes e no grau de reflexão que eles suscitam. Todos os sete filmes se relacionam profundamente na temática, na forma e nas amplas referências à pintura, literatura e filosofia. Porém, em toda a sua obra, tanto fílmica quanto escrita, um tema é recorrente e crucial: o sacrifício.
Para ele, a criação artística é um ato de sacrifício: trata-se de uma doação, que certamente não é material, intelectual ou mesmo emocional. O sacrifício configura-se como algo espiritual – palavra que ele usa constantemente nos seus escritos. Essa espiritualidade, entretanto, não é religiosa no sentido corrente. Tarkovsky diz que as religiões, tal como se apresentam hoje, “não são capazes de saciar a sede de Absoluto que caracteriza o homem”.
A espiritualidade para ele se concretiza na idéia de Amor, a absoluta antítese de pragmatismo e fundamento do sacrifício. Talvez sejam essas duas idéis complementares, o Sacrifício e o Amor, que diferenciam o pensamento e a obra de Tarkovsky do seus contemporâneos, tornando sua mensagem ao mesmo tempo atual e profundamente relacionada com a grande arte do passado – o que nos faz refletir sobre a possibilidade de existirem características perenes no fenômeno artístico ao longo dos tempos.
*Josias Teófilo é mestrando em Filosofia pela Universidade de Brasília com o tema A cumplicidade espiritual: o papel social do artista segundo Andrei Tarkovski no filme Andrei Rublev.
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