Xingu
Civilização pela paz
Por Luiz Joaquim | 06.04.2012 (sexta-feira)
É incrível o quanto de bons enredos reais residem na história oficial (e não-oficial) do Brasil, e pelas quais o cinema nacional nem ousou passar perto. Hoje estreia em todo o pais um título que diminui um pouco essa diferença. Chama-se “Xingu” (Bra., 2012), refere-se a origem e ao desenvolvimento do Parque Nacional do XIngu – a primeira grande reserva indígena do País. Um espaço criado e mantido heroicamente pelos irmãos Villas Bôas. A produção é dirigida por Cao Hamburger.
Para quem não sabe, o paulista Cao estreou de maneira autoral na tela grande há seis anos com o delicado “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (antes fizera, por encomenda, “Castelo Rá-Tim-Bum, O Filme”, 1999) e agora, mais uma vez, mostra sua mão segura para dramatizar e narrar mais de 30 anos de situações politicamente tensas durante os 102 minutos no seu novo trabalho.
Os desafios de Hamburger aqui (devidamente vencidos) não foram poucos. Dois deles, por si só gigantes, residiam em 1) sintetizar não só mais de trinta anos de luta de Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat) Villas Bôas, como também 2) rodar num lugar inóspito e de difícil acesso (em São Félix do Tocantins, na região de Palmas e na aldeia Yawalapity), além de, por isso mesmo, não se deixar hipnotizar pela exuberância da natureza o que poderia atravancar a narrativa.
Esta tentação, a de deixar as belas imagens excessivamente invadirem o que se tem a contar, é um risco que se corre quando o cineasta filma fora de seu ‘habitat’. Tal prática pode ser vista no novo filme de Beto Brant, “Eu Recebeira as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios” (com estreia prevista também para este mês), mas não em “Xingu”.
Em seu filme, fotografado por Adriano Goldman, Cao faz melhor. Os rios, as florestas densas, e os cerrados de horizontes infinitos só reforçam a sensação de isolamento e de aventura maluca dos apaixonados pela causa, os determinados Villas Bôas. A beleza verde e da vida natural captada por Goldman também dão a dimensão de encantamento que os irmãos sentiram ao chegar na região do Xingu.
Uma sequência emblemática e vital para um inicial envolvimento do espectador com o filme acontece por conta do primeiro contato dos expedicionários com os índios. Com competência, e sem fogos de artifícios estéticos, Cao conseguiu ali filmar uma situação que remete a uma descoberta do Brasil, ou a redescoberta de um Brasil em pleno anos 1940; só que, agora, pacífica e encantada, da mesma forma que o nosso olho de espectador a enxerga pelas lentes de Goldman.
Outro momento de puro encantamento do olhar – este exclusivamente nascido pela competência cinematográfica de Cao e da edição de Gustavo Giani (além da direção de arte/maquiagem, claro) -, consiste na administração da expectativa e da tensão visual pela última imagem original mostrada no filme. Ela surge, e mantém-se, por conta do encontro entre Orlando e uma tribo virgem de contato com os brancos, em pleno anos 1970. A expedição, pacificadora, abria frente no terreno por ordem do governo militar, para o desmantelo da implantação da rodovia transamazônica, nos anos 1970.
A respeito da performance dos atores, sabe-se que Cao é bastante exigente com a escolha do elenco. Quando no passado foi anunciado que a trinca dos irmãos seria composto por Miguel, Blat e Camargo – profissionais com trajetórias e perfis diferentes – suspeitou-se que dali poderia sair um desequilíbrio de intensidades nas interpretações. A boa surpresa é que, se ele (o desequilíbrio) existe, soa bem controlado pelo capitão Hamburger.
Ao final, o resultado final de “Xingu” é o melhor pois, para muito além do entretenimento, o filme funciona como um excelente material paradidático de introdução à questões tão caras de um pedaço mal divulgado da recente história do Brasil.
0 Comentários