Mostra Eduardo Coutinho
Revisitando um humanista
Por Luiz Joaquim | 09.05.2012 (quarta-feira)
Dentro da programação da Expoideia, evento cultural que abriu ontem com show musical na rua da Moeda, o cinema São Luiz (Recife) recebe a partir de hoje, seguindo até domingo, uma retrospectiva dos filmes do documentárista Eduardo Coutinho, que completa 79 anos nesta sexta-feira. O curioso aqui é que a seleção do programa – batizada de “Nossos Fatos Reais: Mostra Eduardo Coutinho” – foi definida pelo próprio realizador.
Desta maneira, aparecem cinco títulos que traduzem bem o percursos desse homem que se tornou uma referência nacional quando o assunto é documentário. O filme que abre hoje é uma espécie de “marco zero” para o conceito de documentário moderno no Brasil. Iniciado em 1964, retomado em 1981 e lançado em 1984, “Cabra Marcado para Morrer” viria a se tornar uma espécie de síntese social da história do Brasil e da possibilidade que o cinema brasileiro podia alcançar nestas suas duas décadas de gestação.
A partir de amanhã, (sessões são sempre às 19h30, exceto domingo, às 19h), teremos sua produção contemporânea, a partir de 1999 (com “Santo Forte”) cuja forma passa a ser um elemento determinante para levar o cineasta aonde ele quer chegar. A criação de um “dispositivo” – ou seja, o procedimento de filmagem que elabora cada vez que se aproxima de um novo universo social – é a ferramento que Coutinho adota para chegar o mais próximo possível daquilo que um ser-humano tem para contar sobre si próprio.
Nessa brincadeira em que é um mestre, o velho feiticeiro do documentário no Brasil retrata não curiosidades sobre pessoas estranha, mas sim sobre nós mesmos, neste imensa geografia humana que seus filmes contemplam. Antes de cada sessão, este que aqui escreve irá comentar sobre o trabalho de Coutinho, mas saiba já, lendo abaixo, um pouco mais sobre os títulos da mostra no São Luiz.
Hoje, quarta, 09-05, 19h30
MARCADO PARA MORRE (1964-1984)
Em 1964 Eduardo Coutinho inicia a produção deste que é seu trabalho mais celebrado. Ele contaria a história política do líder da liga camponesa de Sapé (Paraíba), João Pedro Teixeira, assassinado em 1962. O golpe militar, no mesmo ano da produção, frustaria as filmagens. 17 anos depois Coutinho volta à região e reencontra a viúva do lider camponês, Elisabeth Teixeira, vivendo então na clandestinidade, além de outros camponeses que atuaram na dramatização interrompida. Em vário aspectos, “Cabra…” é um divisor de águas entre os documentários no Brasil. É agil e funciona de forma reveladora não só do ponto de vista cinematográfico, mas também político. É um trabalho sempre atual (o que caracteriza um clássico) nesta suas duas vertentes como produção audaciosa.
Amanhã, quinta, 11-05, 19h30
SANTO FORTE (1999)
Hoje (2012) a prática da realização de filmes em vídeo digital e posterior transposição para o suporte em película é algo trivial. Não era há 15 anos, quando Coutinho foi o primeiro a entrar por essa porta lançando “Santo Forte” nos cinemas. Para além da inovação técnica, o documentário quebra um jejum de 15 anos de Coutinho longe das salas de cinema, e o apresenta com a técnica e o rigor que o marcaria dali para o futuro: arrancar depoimentos longos e autênticos de personagens simples sobre um tema específico. No caso, a intimidade dos católicos, umbandistas e evangélicos de uma favela carioca. Cada um a seu modo, eles crêem na comunicação direta com o sobrenatural através da intervenção de santos, orixás, guias ou do Espírito Santo.
sexta-feira, 11-05, 19h30
EDIFÍCIO MASTER (2002)
O mais popular filme de Coutinho. O documentarista volta a um prédio residencial em Copacabana (RJ) – onde ele próprio já residira – e entrevista seus moradores fazendo um levantamento emocional de seus medos, desejos, sonhos e alegrias. Se com os anteriores “Santo Forte” e “Babilonia 2000” Coutinho deixava seu espectador com um gosto de otimismo pela vida, agora ele adicionava um novo ‘condimento’ que misturava vários sabores de sentimentos neste traçado existencial que funde, de forma cirúrgica, a arquitetura e o humano.
sábado, 12-05, 19h30
JOGO DE CENA (2006)
Coutinho se reiventa mais uma vez. Mescla depoimentos autênticos de anônimos contando histórias, e os embaralha com os mesmos depoimentos feitos por atrizes consagradas (Fernanda Torres, Marília Pera, Andréa Beltrão), além de outras desconhecidas da grande mídia. Quais depoimento soam “mais autêntico”? A encenação pode ser mais verdadeira que uma fala natural? Pode emocionar mais? A “verdade” é posta em xeque-mate neste exercício genial no qual a técnica hipnotiza e confunde, mas sem perder o tamanho da importância do humano.
domingo, 13-05, 19h
AS CANÇÕES (2011)
Pela palavras do próprio diretor, é seu filme “mais fácil”. A realização rápida e descomplicada não esconde entretanto a sofisticação de sua técnica em deixar os entrevistados à vontade e deles extrair histórias íntimas e graves. É uma técnica que vem elaborando desde “Santa Marta: Duas Semanas no Morro” (1987). O mote deste seu mais recente filme está no próprio título. Na verdade, personagens expressando seu sentimento por meio de uma canção podem ser conferidos em toda sua filmografia dos últimos 15 anos. Em “As Canções”, Coutinho coloca essa prática em primeiro plano e pede simplesmente que seus personagens expliquem porque a música que eles cantam lhe marcou tanto. O resultado deixa, invariavelmente, o coração do espectador muito apertado.
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