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Reportagens

Carlão se vai

Cineasta faleceu no dia em que completou 67 anos

Por Luiz Joaquim | 14.06.2012 (quinta-feira)

No início da noite de quinta-feira (14), a assessoria de imprensa da produtora paulista Dezenove Som e Imagens divulgou a informação: “Cineasta Carlos Reichenbach morre em São Paulo aos 67 anos”. Depois saíam informações sobre a parada cardíaca que o levou. A notícia casou enorme surpresa na comunidade do cinema nacional, mesmo sendo conhecida a fragilidade do coração deste – uma vez que passou por um cirurgia cardíaca bastante delicada em 2001.

Carlos Oscar Reichenbach Filho, ou Carlão – como era carinhosamente chamado por todos – é também lembrando como o mais generoso e fanático cineasta do Pais. O homem era uma salada de idéias visuais virulentas regada a extrema humildade humana. Uma mistura de furacão de memória cinematográfica pautada pela generosidade com o próximo – fosse este um cinéfilo adolescente ou um renomado cineasta internacional, sua postura era a mesma. A de um igual.

Não é preciso ter receio em dizer que não há um cineasta no Brasil que não respeitava Carlos Reichenbach. Conhecedor como poucos da história do cinema brasileiro, este gaúcho de nascença mas paulistano de coração, estudou cinema na Escola Superior de Cinema de São Paulo, nos anos 1960, quando foi aluno de Luís Sérgio Person, que o apontava como o mais promissor de seus alunos.

Reichenbach vivenciou o embrião que gerou o pólo produtor paulista conhecido como Boca do Lixo e lá dirigiu seu primeiro curta-metragem “Esta Rua tão Augusta” (1968), sobre a famosa rua paulista e seu já então característico espírito libertário para a expressão cultural. O curta, a propósito, é reproduzido na íntegra na abertura do longa-metragem “Augustas”, de Francisco César Filho, ainda sem data de lançamento no circuito comercial.

Carlão teve seu primeiro grande sucesso com o longa “Liliam M” (1974) que serviu para o diretor exercitar seu conhecimento e influências que iam de Samuel Fuller passava por Jean-Luc Godard e chegava ao cinema japonês. Em 1977, período fértil do gênero pornochanchada, faz “A Ilha dos Prazeres Proibidos”, em que disfarçava de amor livre um discurso contra a opressão da ditadura militar. O filme foi visto por milhões em toda a America Latina.

Já em 1985, dirige outra obra marcante: “Filme Demência”, do qual buscou inspiração em Goethe para fazer seu “fausto paulistano”. Não teve êxito como teve com seu filme seguinte: “Anjos do Arrabalde” (1986). Nele, Betty Faria deu corpo e alma feminina a um tema que viria a se tornar cada vez mais presente na obra de Carlão: a mulher ‘simples’, da periferia, e a força que ela esconde em seu cotidiano e em seus sonhos.

Comparado pela imprensa européia – era bastante respeitado em Roterdã – ao diretor italiano Zurlini e ao alemão Fassbinder, Carlão explorou como ninguém esse tema feminino mais recentemente em “Garotas do ABC” (2003) e “Falsa Loura” (2007), seu último trabalho (veja link abaixo).

Antes, fez dois de seus filmes mais auto-referentes: “Alma Corsária” (1993) e “Dois Córregos” (1999). No primeiro, apresenta dois poetas, colegas de infância, que adultos lançam um livro numa pastelaria, presenciado por prostitutas, cafetões e suicidas. O evento é o mote para depois recuar no tempo e falar um pouco da própria infância do diretor nos anos 1950 e na sequência mostrar os conflitos ideológicos durante o regime militar na década seguinte, a partir de discursos de Marx, Stalin e Mao. É um de seus filmes mais claramente carregado com sua erudição – que também passava pela musica – para, por fim, questionar os valores da arte frente a uma sociedade consumista.

No segundo filme, depositou suas memórias de adolescência. Carlão viveu, por alguns dias na juventude, em uma casa de campo à beira de uma represa. Nessa época, conheceu um padrinho de batismo que se escondia da repressão militar. A imagem desse homem angustiado, obrigado a abandonar a família para tentar reconstruir sua vida, serviu como um marco divisor na cabeça do jovem Reichenbach. Daí surgiu “Dóis Córregos” (veja link abaixo), cujo padrinho é representado por Carlos Alberto Riccelli.

Como devorador incansável de todo tipo de cinematografia que era, Carlão criou em 2004 a Sessão do Comodoro, no CineSesc SP, quando exibia todo mês filmes raros e inéditos no circuito brasileiro. Ali aproximou-se de jovens fãs de cinema de todo o Brasil e não só descobriu jovens pensadores do assunto, como os estimulou e os divulgou.

Com esse mesmo espírito, a pedido do site CinemaEscrito, Carlão escreveu em 2008 uma resenha – clique aqui e leia – sobre o filme “Amigos de Risco”, de Daniel Bandeira (admirador de Carlão) com quem concorreu no Festival de Brasília no ano anterior.

A memória prodigiosa do cinéfilo Carlão também assombrava. Foi ele o único que conseguiu tirar uma dúvida, deste jornalista que aqui escreve, a respeito de uma obra dos anos 1980 e desconhecida por todos a quem consultávamos: “O Mudo”, com Nuno Leal Maia e Miriam Rios. Imediatamente e sem esforço, Carlão explicou logo que o filme não era lembrado como cinema nos livros e pelas pessoas porque foi uma obra feita e exibida apenas para/na TV.

Foram esta generosidade e beleza humana, suas marcas mais pessoais, casadas com sua sabedoria, audácia e autencidade cinematográfica, os responsáveis por deixar o universo cinematográfico brasileiro tão triste na noite da última quinta-feira (14). Reichenbach era casado com Lygia Reichenbach e deixa três filhos, uma neta, 22 filmes dirigidos e mais de três dezenas fotografados.

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Filmografia

1968: “Esta Rua tão Augusta” (curta documentário)
1968: “As Libertinas” (segmento “Alice”)
1970: “Audácia” (segmentos “Prólogo” e “A Badaladíssima dos Trópicos x Os Picaretas do Sexo”)
1971: “O Paraíso Proibido”
1972: “Corrida em Busca do Amor”
1975: “Lilian M.: Relatório Confidencial”
1979: “A Ilha dos Prazeres Proibidos”
1979: “Sede de Amar”
1981: “O Império do Desejo”
1982: “As Safadas” (segmento “Rainha do Fliperama”)
1982: “Amor, Palavra Prostituta”
1984: “Extremos do Prazer”
1986: “Filme Demência”
1987: “Anjos do Arrabalde”
1990: “City Life” (documentário) (segmento “Desordem em Progresso”)
1993: “Alma Corsária”
1994: “Olhar e Sensação” (curta)
1999: “Dois Córregos – Verdades Submersas no Tempo”
2002: “Equilíbrio e Graça” (curta)
2003: “Garotas do ABC”
2004: “Bens Confiscados”
2007: “Falsa Loura”

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