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Críticas

O Rochedo e A Estrela

Refazendo os passos judaicos na América

Por Luiz Joaquim | 15.06.2012 (sexta-feira)

Hoje um novo ciclo se encerra na carreira da realizadora Katia Mesel. Entra em cartaz, no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, seu primeiro longa-metragem “O Rochedo e A Estrela” (Bra., 2011). Este processo começou na edição 2011 do Cine-PE: Festival do Audiovisual, quando o filme veio a público pela primeira vez, encerrando o evento. Para Katia a felicidade de compartilhar – agora para um público distinto daquele que frequenta o Cine-PE -, o projeto que lhe acompanha desde 1995 é a felicidade de compartilhar um tema caro, que ela resolve de forma bastante esclarecedora aos leigos.

A história parte, essencialmente, do que está por trás do surgimento da Sinagoga Kahal Zur, a primeira construída nas Américas, situada na rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife, além da partida daqui de 23 judeus no século 17, obrigados a abandonar a sinagoga e indo para Nova Iorque. Lá, eles fundariam aquela que hoje é considera a mais influente (e maior?) comunidade judaica fora de Israel.

Mas seria um erro dizer que “O Rochedo e A Estrela” se resume a isso. Na verdade, para entender este processo, Katia “viaja” para bem antes do período da criação da Sinagoga durante o período holandês em Pernambuco (1630-1657). E é nessa investigação histórica, cultural e comportamental – realizada em Portugal, Espanha, Holanda, Estados Unidos, Grécia, além do Brasil – que está a riqueza do trabalho.

Sem perder tempo, já nos primeiros minutos do filme, a diretora começa a oferecer depoimentos de especialistas (são mais de 30 em diversas áreas) trazendo detalhes sobre a exploração comercial de Portugal sobre a sua, então, colônia mais rica. Com a expansão comercial de Amsterdã, Katia contextualiza o interesse da Holanda em tomar o Brasil dos portugueses pela estrutura da Companhia das Índias Ocidentais.

Sob o cenário religiosamente democrático (mesmo que ainda primitivo) do governo de Maurício de Nassau, os judeus entenderam o Recife de então como um cenário perfeito para viver longe da opressão européia do século 17. A partir daí se dá a construção da Kahal Zur, que teria como primeiro rabino Isaac Aboab, descrito como um homem virtuoso e religioso completo.

Com o cuidado de não deixar brecha para dúvidas, Katia se cerca da fala de arqueólogos para explicar cientificamente como se deu a confirmação da Kahal Zur no Recife como legítima. O mais importante, entretanto, parece ser o interesse da diretora em destacar o Recife como um lugar libertário para os judeus. Na fala do rabino paulista que encerra o filme, ele destaca o sentido da palavra “rocha” como “senhor”, lembrando que “Recife” também se refere a “rocha”.

Ele arrisca, inclusive, dizer que se aquele grupo de 23 tivesse permanecido no Recife, talvez fosse nossa a referência que hoje se faz a Nova Iorque com relação aos judeus. O historiador Eduardo Bueno – um dos depoentes mais presentes – contemporiza lembrando que não devemos confundir o avanço deixado pelos holandeses com a crença de que sob seu domínio seríamos hoje uma nação melhor, pois “colonizador é colonizador e pronto”.

Ilustrando todos os depoimentos, Katia funde um enorme volume de imagens que se misturam entre riquíssimo material iconográfico, com o registro dos entrevistados (o arquiteto José Luiz da Mota Menezes e o historiador Leonardo Dantas Silva, são alguns) e encenações – com atores como Geninha da Rosa Borges, Sônia Bierbard e Germano Haiut, fotografados por Beto Martins – representando a saído do Recife dos judeus ibéricos.

Ao final de “O Rochedo e A Estrela” fica a sensação de uma revisão histórica embalada pela trilha sonora de Lula Côrtes (1949-2011) a partir de melodias ladinas, cobrindo um espaço em branco de uma parte importante da história do Brasil.

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