Parabéns, cinema brasileiro!
Por que 19 de junho é seu aniversário?
Por Luiz Joaquim | 19.06.2012 (terça-feira)
É curioso. No Brasil, o cinema brasileiro tem um dia dedicado a ele. E é uma data oficial, uma vez que foi um órgão federal – a Agência Nacional de Cinema (Ancine) – que determinou. Este dia é hoje, 19 de junho, e a referência a esta data diz respeito a primeira imagem em movimento registrada em terras brasileiras. O acontecimento, como tudo nos primeiro anos do cinema, foi articulado em função do mercado, e não como uma expressão artística.
Já havia dois anos que os Irmãos Auguste e Louis Lumière, na França, ganhavam dinheiro com sua invenção, o cinematógrafo, e no Brasil quatro irmãos, imigrantes italianos residindo no Rio de Janeiro, eram os principais empreendedores deste negócio chamado cinema. Paschoal, Gaetano, Afonso e Luiz Segreto eram os donos da primeira sala fixa de cinema. Ficava na rua do Ouvidor, nº 141, e foi inaugurada em 1897.
Ali, os três projetavam as chamadas “vistas animadas” e, com a necessidade de atualizar suas fitas, Paschoal sempre mandava Afonso para Nova Iorque e Paris para adquirir novos filmes. Numa das viagens de volta de Paris, Afonso trouxe uma câmera francesa e, na chegada ao Brasil, a bordo do návio “Brésil”, filmou a Baía da Guanabara.
O dia era 19 de junho de 1898 e assim nascia o primeiro registro de imagem em movimento feito em terras brasileiras. Daí em diante, os Segreto não pararam mais. Dez dias depois, Afonso registrou o cortejo que conduziu ao cemitério o corpo de Floriano Peixoto e, no dia 5 de julho, o desembarque de Prudente de Morais e sua comitiva no Arsenal da Marinha.
CELEBRAÇÃO
Não há melhor forma de celebrar o Dia do Cinema Brasileiro do que indo assistir a uma produção nacional numa sala de cinema. No Recife, são quatro as opções hoje disponíveis, incluindo uma estreia. Ela acontece na ‘Sessão de Arte’ UCI/Kinoplex Tacaruna, às 19h40. É uma estreia incomum para um complexo de cinema, considerando-se que estamos falando de “Luz nas Trevas: A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (Bra., 2011), de Helena Ignez e Ícaro C. Martins.
O roteiro de “Luz nas Trevas” foi escrito originalmente por Rogério Sganzerla (1946-2004) e foi entregue em 2003 a Ignez – com quem foi casado – lhe dando a missão de realizar este que é uma espécie de continuação de seu clássico (clássico absoluto do cinema nacional) chamado “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), obra, inclusive, reconhecido pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade.
“Luz nas Trevas” não é exatamente uma sequência. Está mais para uma ‘reinvenção’ da trajetória de seu protagonista Jorge Prado/Luz Vermelha (Paulo Villaça, 1946-1992) mais de 30 anos depois de sua aparição. Nos dias de hoje, Jorge é vivido pelo cantor Ney Matogrosso. No roteiro, Luz Vermelha está numa prisão e enquanto reflete sobre sua vida, seu filho Tudo-ou-Nada (André Guerreiro Lopes) segue os passos do pai ao descobrir sua identidade. Cercando-se sempre de belas mulheres – Maria Luisa Mendonça, Bruna Lombardi, Simone Spoladore e Djin Sganzerla (filha de Ignez e Rogério) – e fazendo diversos assaltos, Tudo-ou-Nada vai fazendo a mesma fama que tinha o Luz Vermelha há mais de três decadas.
Para dar vida à história, Ignez e Ícaro mantiveram a mesma atmosfera, ritmo e elementos pop, visuais e musicais, que deram a indentidade revolucionária pertencente ao primeiro filme. Ver, portanto, “Luz nas Trevas” hoje é como revisitar “O Bandido…” por uma leitura contemporânea. O resultado é mais divertido do que propriamente eficiente. Isto porque, o que é suscitado aqui só reforça um paradoxo: o quanto “O Bandido…” estava a frente do seu tempo (e funciona ainda hoje), e o quanto um filme feito hoje que esforça para segui-lo pode correr o risco de soar anacrônico.
As outras obras nacionais em cartaz são a revisão da pernambucana Katia Mesel sobre a trajetória dos judeus na América em “O Rochedo e A Estrela”, em cartaz no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco; a dramatização feita pelo paulista Cao Hamburguer sobre a vida dos Irmãos Villa-Bôas, desbravando as terras indígenas; e o mergulho espírito-cultural do baiano Edgar Navarro em “O Homem que Não Dormia” – estes dois últimos no Cine São Luiz (ver horários na página 3).
Na TV, o canal por assinatura Telecine Pipoca, agendou programação especial a partir das 18h20. Serão quatro longas-metragens exibidos em sequência para celebrar a data. São eles: “Quincas Berro D´Água”, de Sérgio Machado; “Cilada.com” (às 20h10), de José Alvarenga Jr.; “Bruna Surfistinha” (às 22h), de Marcus Baldini; e “De Pernas Pro Ar” (meia noite), de Roberto Santucci.
Cearense autêntico
Poucos especialistas deverão concordar mas é válido sim dizer que Halder Gomes é um gênio ou, ao menos, realizou um trabalho genial com o longa-metragem “Cine Holliúdy”, que podemos chamar de seu primeiro longa ‘solo’ e mais autoral. Na verdade, Halder já tem um muito curioso currículo cinematográfico.
Este ex-lutador de artes marciais, trabalhou como dublês em produções norte-americanas. Dessa atividade, nasceu um projeto vitorioso no home-vídeo, o divertdo longa-metragem chamado “Sunland Heat” (2004), espécie de “Kill Bill” rodado no Ceará com elenco gringo e falado em inglês, o qual Halder vendeu para mais de 13 países. Daí, fez seu primeiro curta-metragem: “Cine Holliúdy: O Astista Contra o Caba do Mal” (2004) – escreve assim, errado mesmo – e depois “Loucos de Futebol” (2007), no qual retrata a angústia e felicidade do torcedor (do ‘Fortaleza’, seu time de paixão) durante um jogo no estádio.
Depois de circular em mais de 50 festivais mundo afora, Halder também dirigiu seu segundo longa, o terror “The Morgue”, todo rodado nos EUA, com elenco de lá e orçado em US$ 1 milhão. De volta ao Brasil, produziu “Bezerra de Menezes: O Diário de Um Espírito” (2008) e “Área Q” (2012), além de ter co-dirigido “As Mães de Chico Xavier” (2011).
“Cine Holliúdy” – o longa, que teve sua primeira exibição no encerramento (último dia 8) do 22º Cine Ceará – é o desenvolvimento do curta homônimo. E Halder, muito à vontade, registra na tela o que há de mais rico e divertido que a cultura Nordestina (mais particularmente, a cearense) possui.
Ver “Cine Holliúdy” é quase um despertar do espectador para a riqueza da diversidade cultural brasileira. Do ponto de vista da prática da linguagem oral, o filme de Halder é um tesouro que registra o “cearensês” em situações comicamente criadas que nos levam à história do herói Francisgleydisson (Edmilson Filho) que vive no interior do Ceará nos anos 1970. Algumas diálogos são tão incompreensíveis para o ‘estrangeiro’ do Ceará, como os do filho de Francisgleydisson, que Halder não se faz de rogado em legendá-los.
Já no início de “Holliúdy” o espectador imerge num ambiente que soa quase que estrangeiro de tão próprio da cultura Ceará. Enquanto a plateia do Cine Ceará dava guargalhas de cair no chão, alguns convidados do evento percebiam a graça da situação, mas não alcançavam sua total dimensão. O melhor, aqui, é que Halder não nos entrega um produto tosco. A produção de “Holliúdy” é exemplar, apesar de modesta (foi feita com o ‘Baixo Orçamento’ – R$ 1,2 milhão – do Governo Federal) e ainda revela a competência de Halder também na edição.
No enredo, Francisgleydisson, após fracassar em uma cidade, ele e sua família se mudam para o município de Pacatuba, onde encontra uma personagens que são estereótipos da típica cidade interiorana nordestina, aqui batizada de Pacatuba, lembrando em alguns momentos a Sucupira do clássico “O Bem Amado”, de Dias Gomes. Alguns desses personagens são interpretados por comediantes de Fortaleza, como o cantor Falcão, na pele do cego da cidade, e Zé Modesto, como um bêbado.
O nosso herói leva sempre ao seu lado a esposa Maria das Graças (Miriam Freeland) e o menino, filho do casal, fã do pai e de suas aventuras imaginárias como lutador de Kung-Fu que dá golpes fulminantes na “pleura”. São golpes que garantem diversão e uma muito boa montagem no final, que envolve não apenas os espectadores do Cine Holliúdy, mas também a nós mesmos, espectadores desavisados e não-cearenses.
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