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Reportagens

Tuca Siqueira grava documentário

Caminhando em busca da verdade

Por Luiz Joaquim | 14.06.2012 (quinta-feira)

Vinte senhores com mais de sessenta anos atravessam a ponte Duarte Coelho de braços dados em direção à Avenida Guararapes no coração da cidade do Recife. Suas silhuetas aparecem no horizonte aos poucos, estão na contraluz, o sol se põe lentamente ao fundo, escondendo-se atrás dos prédios do bairro da Boa Vista. Não se trata bem de um protesto, apesar da polícia militar ter encostado um carro em dado momento da cena para saber o que estava acontecendo, pois tinha sido informada de um distúrbio no centro, responsável por obstruir algumas vias.

Na verdade, a movimentação na tarde do último sábado fazia parte da filmagem de uma cena do próximo filme da cineasta pernambucana Tuca Siqueira. Um documentário que resgata a memória de ex-presos políticos que militaram no Estado durante a Ditadura Militar, especialmente focado nos que compartilharam a experiência do cárcere na Casa de Detenção (atual Casa da Cultura) e na penitenciária Barreto Campelo em Itamaracá. Entre eles, Alberto Diniz, Luciano Siqueira e Carlos Alberto Soares, este que chegou a ser condenado à morte duas vezes.

O projeto, que começou a ser gravado na semana passada e deve ainda prosseguir por alguns dias, não tem um nome definido, mas assim como o anterior com temática semelhante “Vou contar para os meus filhos”, que resgatava a memória das ex-presas políticas do Estado, encarceradas e torturadas na Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, possui o argumento das antigas e atuais militantes Yara Falcon e Lilian Gondim. Ambas ressaltam que agora é o momento dos “rapazes”, deles também assumirem o papel de contarem a história verdadeira do País, de lembrarem das dores, dos abusos, mas também das brincadeiras que os ajudavam a lidar com a dureza do cotidiano.

“A ideia inicial era ser um média, mas como os depoimentos estão muito ricos, estamos estruturando como um longa, que deve ter em torno de 70 minutos. O nome definitivo deve surgir durante o processo. O argumento é semelhante ao anterior, mas enquanto as mulheres são levadas muito por uma percepção feminina, com uma camada mais emotiva, percebo que os homens mantêm o diálogo num campo mais racional, focados no debate político mesmo”, explica a roteirista e diretora Tuca Siqueira, pouco antes de correr para dar início às filmagens “e não perder a luz”. A expectativa é que o filme seja lançado ainda em novembro deste ano.

A cena em questão também carrega um ímpeto de nostalgia singular, porque vários daqueles militantes atualmente moram fora do Estado, no Ceará, na Bahia, no Rio Grande do Norte ou no Espírito Santo, de forma que as filmagens também marcam um momento de reencontro. “Recife naquele período era um centro de militantes que vinham de diferentes lugares. Está sendo um momento de alegria e emoção estar junto com esses companheiros, que mesmo sendo de organizações e partidos diferentes naquele período, terminavam unidos na resistência e na experiência do cárcere”, conta Luciano Siqueira, deputado estadual e pai de Tuca.

Aliás, a diretora ressalta que “sentia necessidade de tratar da memória, pois é um assunto que está no auge no País, especialmente com a abertura pela primeira vez de arquivos que trazem à tona histórias do passado”. Naturalmente, o grupo foi recebido pelo Governador Eduardo Campos durante a instalação da Comissão da Memória e Verdade Estadual, na última sexta-feira no Palácio do Campo das Princesas, iniciativa que pretende investigar pelos próximos dois anos violações aos direitos humanos cometidos num arco temporal de 1946 a 1988. É unânime a opinião entre eles de que este é também um momento histórico.

“Tenho duas alegrias com esse projeto: a primeira é de voltar a algo que tem muita ligação com as minhas origens, cresci ouvindo alguns desses relatos, há aqui uma rede muito forte de afetos entre a produção e os entrevistados (além de Luciano e Tuca, pai e filha, o sociólogo José Arlindo Soares, pai de Camilo Soares, diretor de fotografia, também participa do filme). Além disso, gosto muito de trabalhar com a memória no sentido de provocar uma discussão, numa pegada de juntar cinema e educação, algo que, pode até soar sonhador, mas acredito que pode mudar o mundo”.

A Avenida Guararapes, com sua concentração de edifícios em art déco, foi escolhida enquanto locação, porque é representativa como um centro dos espaços de militância das diversas organizações que os ex-presos faziam parte.

Também na proposta do documentário, está a montagem de uma mesa com um pano vermelho vibrante que irá circular por diferentes locais de filmagem, como o Teatro Hermilo Borba Filho, procurando captar o lado psicológico do ambiente de discussão dos entrevistados, inclusive colocando-os sentados em alguns momentos para debaterem assuntos relacionados às suas experiências, como a tortura, as ligas camponesas e a implantação da comissão da verdade. Completam o time da equipe técnica do filme, entre outros, Neco Tabosa na assistência de direção, Márcia Vanderlei na produção executiva e Hamilton Costa na direção de produção.

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