Deus da Carnificina
Quando a cordialidade não suporta o instinto
Por Luiz Joaquim | 20.07.2012 (sexta-feira)
Seis semanas após sua estreia no Sudeste, entra em cartaz no Recife – no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco – o novo filme de Roman Polanski, “Deus da Carnificina” (Carnage, Fra., Ale., Pol., Esp., 2011). Para quem anda esquecido do que representa o nome Polanski para o cinema, lembramos aqui alguns dos filmes que dirigiu ao longo de seus 78 anos: “Repulsa ao Sexo” (1965), “A Dança dos Vampiros” (1967), “O Bebê de Rosemary” (1968), “Chinatown” (1974), “O Inquilino” (1976), “Tess” (1979), “Lua de Fel” (1992), “O Pianista” (2002), “O Escritor Fantasma” (2010). Isto só para falarmos dos obrigatórios.
Pelo currículo do jovem senhor, fica claro que ir assistir “Deus da Carnificina” é garantia de uma experiência única, mesmo para aqueles que já viram, em 2011, a homônima peça da francesa Yasmina Reza, que foi encenada no Brasil. Não fosse apenas pela precisão da mão deste notável cineasta que consegue ir fundo ao espírito humano de seus personagens, a versão cinematográfica de “Deus da Carnificina” conta como mérito também a participação da própria Yasmina como co-roteirista e um quarteto de atores irretocáveis e igualmente talentosos em suas carreiras: Jodie Foster (como Penelope), John C. Reilly (como Michael, marido de Penelope), Kate Winslet (Nancy), e Christoph Waltz (Alan, marido de Nancy).
E quem melhor que o homem que fez a trilogia do apartamento – além de “Repulsa ao Sexo” e “O Inquilo”, tem o seminal “A Faca na Água” (1962) – para adaptar cinematograficamente esta história enclausurada entre uma sala de estar, uma cozinha e um banheiro? As únicas imagens fora do apartamento do casal Pen e Michael são breves, abrindo e fechando o filme. A primeira mostra, exatamente, a ação entre adolescentes num parque em Nova Iorque, na qual Zachary (filho de Nancy e Alan) agride Ethan (filho de Pen e Michael) com um galho de árvore.
É essa agressão que justifica a visita dos pais do agressor a casa dos pais do agredido. Eles estão ali para chegar a um acordo de consciliação entre as duas partes. Na verdade, “Deus da Carnificia” já inicia no pressusposto que a consciliação já está em processo, mas o texto agudo de Yasmina vai, lenta e gradualmente deixando vazar alguns incômodos, primeiro dos casais, um contra o outro, depois de cada indivíduo, começando a questionar a própria harmonia matrimonial entre si.
Nesse ritmo, vamos conhecendo o que marca a personalidade de cada um deles, e com o constante relaxamento de todos, as posturas de etiqueta, educação e postura politicamente correta vão caindo e dando lugar a raiva. O tom hostil vai tomando conta pouco a pouco do ambiente a ponto do espectador desejar o fim de tanta agressividade. “Deus da Carnificina”, o filme, é uma proeza como exercicío de tensão (e bastante humor) que poucos teriam a força de sustentar tão bem como Polanski.
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