40o. Gramado (2012) – noites 1 e 2
Bons filmes, pouca gente
Por Luiz Joaquim | 13.08.2012 (segunda-feira)
GRAMADO (RS) – Um dos aspectos que chamou a atenção nos dois primeiros dias deste 40o Festival de Cinema de Gramado, iniciado sexta-feira, foi o aparente desinteresse da população gramadense e turistas em ver os filmes no Palácio dos Festivais. A nova coordenação e curadoria do evento não só mudou a personalidade do festival como também baixou o preço dos ingressos dos habituais R$ 60 para R$ 20.
Com isso, o velho pretexto do alto valor não pode mais ser usado para explicar só a metade da ocupação da platéia no cinema para ver um filme como “360”, de Fernando Meirelles, com seu forte apelo popular pelo time de atores internacionais como Anthony Hopkins e Jude Law.
Pior para quem não aproveitou a oportunidade por aqui, pois além de “360” (leia abaixo), dois dos três longas-metragens em competição exibidos na sexta-feira e sábado, mostraram vigor e qualidades distintas entre si. “Super Nada”, de Rubens Rewald, faz juz a experiência do diretor como dramaturgo e professor da Universidade de São Paulo.
“Super Nada” é um presente para seu elenco – encabeçado pelo competente Marat Descartes – por propiciar situações tão criveis para a realidade de um ator que luta por um espaço na arte e na vida. E o melhor é que “Super Nada” não se resume a um retrato desse cotidiano. A certa altura, o muito bom roteiro de Rewald toma uma bifurcação para o inesperado e encerra com uma reflexão um tanto amarga, mas corajosa. É um excelente filme para ser visto com “Riscado”, de Gustavo Pizzi, vencedor de três Kikitos por aqui em 2011.
Na competição latina, o primeiro a mostra a cara foi “Artigas, La Redota”, do Uruguaio, radicado no Brasil, Cesar Charlone (fotógrafo de “Cidade de Deus”). Depois do ótimo “O Banheiro do Papa” (2007), Charlone volta-se para a difícil tarefa de realizar um filme de época para apresentar o herói republicano do Uruguai, José Artiga. E, pior, com orçamento apertado.
Em sua apresentação, o diretor comentou que seu esforço foi para não fazer uma obra que parecesse um telefilme, mas sim cinema. Sua estratégia dramática foi exitosa pois toma como mote o drama do pintor Blanes em 1884 que recebe a encomenda de pintar o retrato oficial de Artigas. A única referência visual que possui são rabiscos feitos em 1811 pelo espião espanhol Larra infiltrado para matar Artigas (vivido pelo ótimo ator Jorge Esmoris). Aos poucos, o filme ganha a dimensão de grandioso, pelo drama desse trio e pelo conjunto da corajosa produção.
A decepção – não propriamente uma decepção, mas apenas uma expectativa não realizada – ficou por conta do longa que abriu a competição nacional, na sexta-feira. O mais que frágil “Eu Não tenho a Menor Idéia do que Estou Fazendo da Minha Vida”, do carioca Matheus Souza, de 24 anos, que ficou famoso pela façanha de, aos 20, ter lançado seu primeiro e simpático “Apenas o Fim”.
Menos coeso que o trabalho anterior, “Eu Não Tenho a Menor Idéia…” acompanha a vida da recém-ingressa na faculdade de medicina Clara (Clarice Falcão). Ele vive uma juventude apática enquanto diariamente cabula as aulas para tentar descobrir o que quer fazer da vida. Nessa busca, forma um novo amigo (Rodrigo Pandolfo) que ajuda em suas invenções pueris.
É um esforço interessante, este de Matheus em retratar um aspecto do retardamento de maturidade da juventude, principalmente por a certa altura, ele coloca sua Clara em confronto com os pais. Mas, como cinema, o filme não oferece muita coisa do ponto de vista da fruição. Pelo contrario, é quebradiço e de soluções fáceis, que cansa mais do que agrada, com uma protagonista que não cativa nem emociona. Uma pena.
Um planeta, dez histórias
Nem estava cheia a sala do Palácio dos Festivais para a exibição de “360” (Áus., Fra., Bra., Ing., 2012), novo filme de Fernando Meirelles. A projeção, abrindo o festival, foi sua primeira exibição pública no Brasil e tem estreia no circuito do País marcada para próxima sexta-feira. Ao contrario da recepção fria nos EUA e França – lá estreou sexta-feira passada, dia 10 – a produção de elenco e locações internacionais e falada em cinco idiomas agradou a seleta plateia na Serra Gaucha.
Este projeto de US$ 14 milhões foi encomendando para Meirelles dirigir a pedido do roteirista Peter Morgan (mesmo de “Além da Vida”, de Eastwood), que se inspirou aqui na peça “La Ronde”, do austríaco Arthur Schnitzler, para criar um cotidiano que lhe é particular, o de aeroportos e quartos de hotéis pequenos. “Não mexi em quase nada do roteiro, foi apenas deixar mais suaves umas transições entre as histórias”, explicou.
Mas vendo o filme, é possível enxergar a facilidade do cineasta e do seu editor Daniel Rezende (mesmo de “Cidade de Deus”) em transitar em histórias diversas, nesse tipo de produção conhecida como “filme-coral”, com vários personagens com histórias independentes, mas interligadas entre si. Estilo em que o mestre foi Robert Altman (1925-2006).
Começando em Viena, com uma eslovaca (Lucia Siposová) tirando fotos eróticas para a internet e atrair clientes de luxo, “360” termina no mesmo ponto do início. Mas os 110 minutos que unem estes dois pontos apresentam nove personagens com a mesma força dramatúrgica dentro do enredo.
Em Viena, um marido (Jude Law) esforça-se para manter-se fiel a esposa (Rachel Weisz) na França, que por sua vez o trai com um fotógrafo brasileiro (Juliano Cazarré), que perde sua namorada (Maria Flor), que num voo conhece um pai (Anthony Hopkins) em busca da filha desaparecida, e ainda se envolve com um ex-presidiário (Ben Foster).
Há ainda o guarda-costa (Vladimir Vdovichenkov) que se envolve com a irmã (Gabriela Marcinkova) da prostituta pois ele está em crise com a esposa (Dinara Drukarova), que por sua vez se interessa pelo seu chefe (Jamel Debbouze).
Nesse jogo de situações que aparenta um xadrez de emocões, todos personagens vivem um momento de virada na vida, e Meirelles fez bem seu papel de ligar estes pontos, ressaltando mais o que está no interior que no exterior dos personagens. E Rezende ainda ajudou, criando elegantes fusões de imagens que facilitam a fruição do que se vê dos personagens e do que se passa na cabeça deles.
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