Fausto, de Sokurov
O poder por Sokurov
Por Luiz Joaquim | 31.08.2012 (sexta-feira)
Após uma sedutora e longa flutuação da câmera sobre uma bela e difusa paisagem na abertura de “Fausto” (Faust, Rus., 2011), filme de Aleksander Sokurov em cartaz no Cinema da Fundação, vemos o Dr. Fausto (Johannes Zeiller) dissecando um cadáver. Não há nada que ele desconheça dali das entranhas humanas. O seu interesse na pesquisa é entender onde reside a alma humana. Essa busca pela compreensão da complexidade do homem é o que move Fausto, e também será a sua perdição.
Para completar a tetralogia do poder – precedida pelos seus outros filmes “Moloch” (1999), “Taurus” (2000) e “O Sol” (2004) – Sokurov recorreu a obra de uma vida daquele considerando, ainda hoje por muitos, o maior escritor alemão: Goethe (1749-1832). Publicado apenas após sua morte, o “Fausto” de Goethe resgata uma história que já teve várias versões desde o século 15.
Em resumo, acompanha a fome por sabedoria de Fausto, homem culto que já estudou medicina, filosofia, direito, teolologia, alquimia, é conhecedor de astronomia e botânica e ainda assim sente-se o mais ignorante dos homens. Ao juntar-se com o diabo inicia um trajeto que o leva a Margarida (Isolda Dychauk), por quem se apaixona. É para ter o seu amor que, com o próprio sangue, Fausto assina um contrato com o diabo garantindo-lhe sua alma após a morte. Mas, ao conhecer o amor de Margarida, Fausto experimenta a sublimação da vida e tenta a salvação.
Neste, e em vários outros aspectos plásticos, Sokurov nos oferece em sua versão para “Fausto” uma experiência rica de leituras pela representação imagética. O momento em que o médico recebe Margarida em casa e vê sua real beleza, com seu rosto iluminado de forma radiante, é um desses exemplos.
A performance de seu mefistófeles – que fez sucesso em outros filmes também revisitando o mito alemão – também incomoda (no bom sentido), com seu corpo deformado e insistente insolência diante do sofrimento de médico.
Já experimentado pela pintura (Rembrandt) pela música (Wagner, Schumann e Liszt), o mito de “Fausto” foi um prato cheio para o cinema, redendendo até adequações no cinema brasileiro – com aparece em “Filme Demência”, de Carlos Reichenbach. Desse modo, Sokurov arriscava-se ao entrar num tema tão vastamente explorado. Mas, seu talento e audácia foram reconhecidos com o Leão de Ouro em 2011, prêmio máximo do Festival de Veneza.
Os espectadores agradecem por dispor agora de um novo filme que põe em foco mais uma vez, em excelente representação, o destino de todos nós. Figuras errantes em busca de perguntas que nunca terão respostas, e cuja rendenção parece encontrar pousada apenas na natureza, pela qual a figura de Margarida (e seu amor) é a melhor síntese que Goethe poderia nos oferecer.
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