Histórias que Só Existem quando Lembradas
História de luz e de tempo
Por Luiz Joaquim | 03.08.2012 (sexta-feira)
Com sua estreia no longa-metragem,“História que Só Existem Quando Lembradas” (Bra., Arg., Fra., 2012) – que entra em cartaz hoje no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, a diretora Júlia Murat (33 anos, filha de Lúcia), parece oferecer um cinema brasileiro que os brasileiros não viam há cerca de quatro décadas. É um cinema que parece não ter compromisso com não muito além daquilo em que acredita. No caso, a beleza (e daí a força) das imagens para contar uma história, e a capacidade de moldar o tempo (peripécia própria do cinema) para refletir sobre a passagem do tempo.
Em meio a ruínas no ficticio vilarejo de Jotuomba, no Vale da Paraíba, interior do Rio de Janeiro, Júlia apresenta seus pesonagens. A principal é a velha Madalena (Sônia Guedes), cuja rotina resume-se a acordar de madrugada, fazer pão, vendê-lo na padaria da vila, rezar e ter saudades do falecido marido. A ela se junta a viajante Rita (Lisa E. Fávero), uma fotógrafa que lhe pede abrigo em sua casa.
Rita chega sem estardalhaço, e age na mesma mansidão que todos os velhos de Jotuomba (na verdade a locação foi em Sebastião de Lacerda). Um lugar cortada por trilhos ondem não passam mais trens, cercado por uma mata que parece isolá-la do mundo, e com seu cemitério fechado a chave, como se ali todos tivessem desistido de morrer.
Mas, ainda que em ritmos cadênciados de entendimento entre Rita e os velhos da cidade, a simples presença da juventude naquele lugar, onde o tempo parece congelado, é motivo para desequílibrio. Só que os pequenos conflitos são apenas uma porta para Júlia abrir caminho a questões que transcendem uma história de narrativa simplória.
Com aspecto de fábula fantástica desde seu início, “Histórias que Só Existem…” ganha, a partir daí, a consistência real de uma fábula. Destas fábulas eternas e sem tempo definido, cujo valor moral aponta não só para a transitoriedade da vida, mas também para o legado que se deixa e, mais importante, o que dele vai ser feito.
Com diálogos econômicos, o roteiro de Júlia é mais pautada pela fotografia de cair o queixo feito por Lúcio Bonelli. Só pode ser traduzido como hipnótico, por exemplo, a sequência em que, sob a luz do lampião, Bonelli ilumina um negro no escuro absoluto da noite, e apenas o branco de seus olhos vão surgindo para confundir os espectador em sua desorientação.
Na verdade, não podia ser menor que hipnótico o resultado plástico deste filme, uma vez que o objeto de trabalho da menina Rita, a fotografia, parece buscar os primórdios de sua captação – com as arcaicas câmeras feita a partir de uma lata, um furo e material fotográfico no seu interior. São fotos feitas ao estilo de uma época em que se confundia o registro de um retrato com a captação da alma do fotografado. E enxergar a alma não é para muitos.
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