Intocáveis
Não é piedade, é amizade
Por Luiz Joaquim | 31.08.2012 (sexta-feira)
Para alguns, a expressão feel good movie não é estranha. Ela refere-se àqueles filmes que, terminada a sessão, o espectador sai quase flutuando ou dançando da sala de exibição de tanta leveza. A produção francesa de maior sucesso de publico em 2011 naquele país – “Intocáveis” (Intouchable, 2011), da dupla Olivier Nakache e Eric Toledano – é um exemplar perfeito desse gênero, e agora está em cartaz no Recife.
Exibido por aqui há duas semanas em algumas sessões como carro chefe do Festival Varilux do Cinema Francês, “Intocáveis” virou mania na França ano passado, onde foi, sozinho, o responsável por levar mais de 20 milhões de espectadores às salas de cinema por lá. Vendo o filme é fácil compreender isto.
Descrevendo o enredo, o leitor poderá pensar que se trata de um melodrama que serviria como um prato cheio para Hollywood, por exemplo, nos fazer chorar. Mas não é o que acontece pelas quatro mãos seguras de Nakache e Toledano. A grosso modo, “Intocáveis”, conta o surgimento da improvável amizade entre o multimilionário francês Philippe (François Cluzet) e o imigrante africano Driss (Omar Sy). Uma das forças do filme é exatamente nos contar essa história de maneira provável.
Philippe, tetraplégico, recebe em sua mansão candidatos ao emprego de assistente, que façam as vezes de seu motoristas entre outros serviços. Driss aparece por lá mal vestido, debochado, e não com a intenção de conseguir o emprego, mas sim de obter uma assinatura para prolongar seu seguro desemprego. Indo contra as expectativas, Phillippe contrata Driss por um mês em caráter de teste, e este, turrão, aceita apenas pela provocação do milionário que faz uma aposta: “Você não vai aguentar esse trabalho”, garante o chefe.
A essencia da graça em “Intocáveis” concentra-se num fator que é, ao mesmo tempo, o mais caro ao personagem de Cluzet. Este fator vem a ser a falta de piedade que Driss sente em relação às limitações do tetraplégico. O que atrai Phillippe ao estrangeiro é exatamente a sua crueza. E é essa crueza que permite o filme criar situações que poderiam ser vista como desrespeito, mas na verdade não são por conta de sua autenticidade, por serem genuínas, próprias de quem, como Driss, realmente não vê diferença num tetraplégico para tratá-lo como um coitado.
Com esse exemplo de altivez, livre de hipocrisia, na formação de uma amizade honesta – pela qual tanto Phillippe quanto Driss tem o que aprender e o que ensinar – “Intocáveis” deve transformar-se num desses filmes referência o qual aponta para um ideal de igualdade, jogando pro lixo aspectos bobocas de status em função da necessidade primária do ser humano (carinho) seguida por uma outra necessidade primária, essa social (respeito).
O melhor é que estes assuntos, que soam tão graves, não pesam aqui. Por serem tratados com a leveza de Driss – como as divertidas comparações para a música clássica e a ópera que Phillippe lhe apresenta – o que “Intocáveis” deixa na memória é a alegria de viver, tão bem marcada pela dança de Driss sob a batida de “Boogie Wonderland”, da banda Earth, Wind and Fire. Impossível não simpatizar com essa dupla de amigos. Impossível sair triste de “Intocáveis”.
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