Nelson Rodrigues e o cinema
O cinema encontra a tragédia na classe-média
Por Luiz Joaquim | 20.08.2012 (segunda-feira)
Um dos momentos mais esperados no 40º Festival de Gramado, encerrado sábado, aconteceu um dia antes, por ocasião da exibição de “Toda Nudez Será Castigada” (1973). O filme de Arnaldo Jabor – sua estreia numa ficção – foi o vencedor da primeira edição do festival, e ainda hoje é considerada uma das mais bem sucedidas adaptações da obra de Nelson Rodrigues. E não foram poucas.
Quando Jabor assumiu o projeto de levar às telas o drama do viúvo Herculano que decide casar-se com a prostituta Geni (maestralmente vivida por Darlene Glória) ele tinha como trunfo a proximidade com o dramaturgo. Na juventude, Jabor era muito amigo da família de Nelson e nas conversas com o autor, foi compreendendo a riqueza e sutilezas das contradições humanas, tão presentes e adequadas à classe média brasileira nas criações do escritor. Não é pra menos que “Toda Nudez..”, o filme, permanece tão atual. Na palavras do próprio Jabor isso acontece porque “ele trata de Paixões eternas, que são eternas, ao contrario de recados ideológicas. É um filme sobre pessoas e não sobre recados”.
Em termos de popularidade, a adaptações feitas nos anos 1970 foram as mais bem sucedidas. Isto porque, na verdade, no contexto do cinema brasileiro (o auge das pornochanchadas), o momento era o ideal para explorar em imagens a complexidade da natureza humana, sendo o sexo um ingrediente tão forte nesse processo.
E nada melhor para isso que histórias como a crônica “A Dama do Lotação” (1978) com Sônia Braga no papel-título, ou a peça “Os 7 Gatinhos”, ambos transformados em filme por Neville D`Almeida em 1980, ou ainda “Bonitinha Mas Ordinária”, dirigido por Braz Chediak no mesmo ano, revelando uma Lucélia Santos diferente da vista na telenovela “Escrava Isaura”, e com um José Wilker constantemente humilhado pela sua condição de contínuo.
O ano de 1980, a propósito, foi marcante entre Nelson e o cinema brasileiro. Dali ainda sairiam “O Beijo no Asfalto”, de Bruno Barreto com Ney Latorraca como Arandir, o funcionário público perseguido; e “Sobrenatural de Almeida”, dirigido por Paulo Sérgio Almeida, sobre o personagem fictício criado por Nelson para escrever sobre seu time de futebol do coração: o Fluminense.
Engana-se, entretanto, aquele que reduzir o trabalho de Nelson levado aos cinemas com as estratégias das pornochanchadas. Confundi-los seria um crime. E assim como “Toda Nudez…”, do Jabor (que ainda adaptou o romance “O Casamento” em 1975), há uma diversidade de filmes feitos antes de 1973 a partir de sua obra. São filmes ricos do ponto de vista cinematográfico, cuja beleza prescinde o apelo sexual. O próprio “Beijo no Asfalto” já ganhara as telas em 1965 pelas mãos de Flávio Tambellini, com o titulo “O Beijo” e Reginado Faria no elenco; assim como “Bonitinhas mas Ordinária” em 1963 sob direção de J. P. de Carvalho (ou,como assinava, Billy Davis).
As duas adaptações de maior impacto nos anos 1960 surgiram pela direção do sofisticado “A Falecida”, por Leon Hirzman, com Fernanda Montenegro estreando no cinema como Zulmira, uma mulher obcecada pela morte que queria um enterro de luxo para compensar a vida miserável; e antes por Nelson Pereira dos Santos – com “Boca de Ouro” (1962), com Jece Valadão hipnótico. Em 1990, “Boca…” ganharia outra versão, por Walter Avancini, com Tarcísio Meira e Cláudia Raia atuando, mas sem um décimo do charme do primeiro filme.
A primeira adaptação de Nelson para o cinema teria os diálogos escritos por ele próprio para o filme de Milton Rodrigues, “Somos Dois”, em 1950. Depois viria “Meu Destino É Pecar” (1952), de Manuel Peluffo. Pulando para os anos mais recentes, o espírito em vigor do politicamente correto não podia combinar com o espírito livre presente na obra do “anjo pornográfico”. Daí que o cinema brasileiro gerou dois filme mornos, que em nada lembravam a urgência e angustia dos antigos filmes com a atmosfera rodriguiana. Foram eles “Traição” (1998), de direção coletiva para três histórias; e “Gêmeas” (1999), de Andrucha Waddington.
TELEVISAO
Na tela pequena, o melhores anos para ver Nelson Rodrigues foram aqueles em que infelizmente hoje não há registro audiovisual. Aconteceram na primeira metade dos anos 1960, quando foi ao ar, no Rio de Janeiro pela TV Rio, e em São Paulo, pela Record a novela “A Morta sem Espelho” (1963), com direção de Sérgio Brito e Paulo Gracindo no elenco. Era a primeira telenovela do Brasil, e foi encomendada a Nelson para resgatar a audiência da TV carioca.
No mesmo ano veio, “Pouco Amor não É Amor”, com direção de Fernando Torres, e a esposa Fernanda Montenegro no elenco. Em 1964, estrearam “O Desconhecido”, com Jece Valadão, e “Sonho de Amor”, também com Fernanda Montenegro.
Só 18 anos depois, inspirada pelos sucessos no cinema, a TV Globo viria a fazer uma telenovela a partir de uma obra guiada pelo espírito de Nelson Rodrigues. Era 1982 e chamava-se “O Homem Proibido”, com David Cardoso (galã da pornochanchada).
Em 1995, a Vênus Platinada também produziria “Engraçadinha”, sucesso exibido às 22h30 para poder dar vazão aos encantos da protagonista, papel que lançou a atriz Alessandra Negrini.
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