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Entrevistas

ENTREVISTA: DJ Dolores

Dolores: É preciso entrar no filme

Por Luiz Joaquim | 13.09.2012 (quinta-feira)

Helder Aragão, ou DJ Dolores, dispensa apresentações no Recife – na verdade em boa parte do mundo. Sendo um dos principais protagonistas da moderna música contemporânea brasileira, cujo germe emergiu por aqui nos anos 1990, Dolores coleciona prêmios como o BBC World Music Award 2004 na categoria de “club global”, que espelha sua competência em harmonizar estilos tão distintos quanto o da ciranda, o do funk carioca, do brega entre outros. O músico, cada vez mais, mostra seu talento também para a confecção de trilha sonoras para o cinema. Neste “2º Festival do Making Of”, que segue até amanhã, Dolores minista exatamente uma oficina sobre esse assunto, e da cidade de Derry (na Irlanda do Norte) onde estava semana passada, ele nos deu esta entrevista sobre as peculiaridades desse trabalho tão específico na carreira de qualquer músico.

Você lembra da primeira vez que uma música sua integrou a trilha de um filme? E qual foi seu primeiro trabalho de composição específico para musicar um filme?
Como poderia esquecer? Eu trabalhava numa produtora como roteirista e diretor de documantários para TV (ao lado de Marcelo Gomes e Hilton Lacerda), já praticava a arte da mixagem na pista de dança e ajudava meus colegas a escolher trilhas para o que faziamos. Então, comprei um PC 286 e comecei a criar minha própria música com um programa super tosco que servia para editar mensagem de telefone. Kleber (Mendonça) ouviu e pediu que eu fizesse mais para que ele usasse num filme em que estava trabalhando (“Enjaulado”, 1997). Essa experiência foi muito marcante porque um disco com a trilha foi lançado e então comecei a receber muitos convites, larguei o audiovisual e encarei a música de modo profissional.

O maestro Neneu Liberalquino destacou na festa de 60 anos do São Luiz que o compositor de trilhas sonoras é o mais completo possível, pois tem de lidar com o erudito e o pop, conhecer sonoridades de todos os lugares do mundo para atender ao cinema. Pode comentar?
Entendo a opinião dele mas discordo em termos. Tem que estar aberto mas é fundamental desenvolver sua indentidade porque senão vira a trilha um pastiche de estilos que você não domina. E ninguém é capaz de dominar com perfeição tantas vertentes da música popular/erudita. É também importante se despir de preconceitos porque, as vezes, o filme pede uma música “ruim” para determinada cena e a gente tem que compor pensando nisso. Nem sempre é para criar com beleza, sofisticação, bom gosto. Há várias formas de abordar uma trilha sonora e nem sempre é com música no sentido mais convencional. É uma parte muito bacana do trabalho, para mim, e que o público nem nota: ruídos, sons que compõem a cena de modo tão bem colocado que parecem que nesceram junto com a imagem e só quem é apurado em cinema percebe. Não é sonorização, é uma abordagem musical mesmo, só que muito minimalista e discreta. Esse foi o caso do “Som ao Redor” e há muito desse detalhamento em “Estradeiros”, de Sergio Oliveira e Renata Pinheiro. ( E aí, me lembro de um comentário marcante, lido não sei aonde, sobre fotografia em cinema: “a melhor fotografia é aquela que faz a audiência esquecer que tem um fotógrafo por detrás”)

Só em 2012 suas criações apareceram/vão aparecer em quantos filmes? Pode nomear alguns destes flimes?
Teve “Os Últimos Cangaceiros”, de Wolney Oliveira, “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça, “Estradeiros”, de Sergio Oliveira e Renata Pinheiro e “CDU-Rio Doce”, de Adelina Pontual, onde compus um pouco mas também escolhi e editei faixas de bandas recifenses. Houve também o curta de Carolina Oliveira, “Quinha”. Fiz alguns trabalhos para teatro, dança (destacando “Destaino do Norte/Desatino do Sul”, para o Municipal de São Paulo e mais recentemente, a trilha da exibição sobre cultura pernambucana para o Tropenmusseum, de Amsterdan e, em parceria com Nana Vasconcelos, a trilha permanente do Museu do Homem do Nordeste.

Você tem um método especifico, ou cada projeto te obriga a ir por uma estratégia nova de composição?
Cada projeto pede algo novo, idéias diferentes, pesquisas e, como um ator, tento imergir no ambiente do filme, tento ver a trilha “de dentro”. Nesse momento, estou trabalhando (em parceria com Yuri Queiroga) num musical que tem como fundo o ambiente da cultura do brega romântico. Então tenho vivido com as harmonias características, as letras e riffes do gênero. Viramos produtores de brega (!!!!). Mas, como eu disse, mantivemos nossa identidade, de modo que não é uma mera mímese. Há uma conexão boa com os responsáveis, Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, que também não queriam simplesmente reproduzir o brega recifense como caricatura.

Como são os diálogos com os cineastas? Alguns aceitam mais sugestões que outros?
Cada caso é um caso. No “Narradores de Javé”, por exemplo, eu tinha feito umas músicas de inspiração nordestina e pus uns sons eletrônicos. A diretora ficou chocada e pediu pra tira-los. Em “O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas”, os diretores ouviram a música na hora da edição. Alguns precisam da música para se inspirar, e outros preferem montar livremente e só então começo meu trabalho. Kleber pediu ruídos e eu sugeri apenas um ou outro. Mas a maior parte, ele mesmo montou onde achava que se encaixavam bem.

Qual a trilha que te deu mais dificuldade de chegar ao ponto certo? e por que?
Sem dúvida, “A Máquina”, de João Falcão. Tinha uma cena que eu não conseguia solucionar pq foi gravada sem clique, a atriz saia do tom, deslizava no tempo…E o pior: não consegui me envolver com a cena. Fiquei tão estresado que voltei a fumar depois de seis anos de abstinência. Mas isso foi há muito tempo. Hoje, com a experiência adquirida, tiraria de letra…

Que trilhas sonoras no cinema te marcaram? E por qual razão?
Por questões óbvias, tudo de Morricone, Badalamenti me interessa. São verdadeiras aulas de como criar ambientes sonoros com instrumentos musicais. Gosto muito da parceria entre Bregovic e Kusturica e, por outro lado, amo o jeito que Kaurismaki encaixa toscamente músicas que já existiam em seus filmes. Ele corta no meio, usa apenas como um tema de fundo, parece completamente desleixado.. mas mesmo assim, me encanta.

Você responde estas perguntas da Europa, a viagem que fez também foi relacionada ao trabalho com trilha sonora? Que trabalho foi esse?
Desde 2007 que colaboro com a companhia Zecora Ura, baseada em Londres, que mistura teatro, performance, dança, live act, etc… Dessa vez estamos em três núcleos diferentes, dois na Irlanda e um em Belo Horizonte, lincados pela web em perfomances simultâneas. Eu e Yuri Queiroga estamos fazendo a trilha ao vivo para uma das instalações. Muito experimental, muito surpreendente, outro universo e um aprendizado importante.

Você ministra agora um curso no Festival do Making Of, qual o principal recado a aspirantes a profissionais que querem atuar nesse campo?
Não chamaria de curso. Será mais uma introdução ao universo da trilha sonora, uma abordagem que permita que as pessoas enxerguem que uma trilha pode ser mais que fazer uma música para preencher um espaço silencioso. Quero falar sobre conceitos e possibilidades para quem tem interesse no assunto. Meu conselho é: entrem no filme!

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