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Festivais

16a. Tiradentes (2013) – Ferrolho

Resumo de reflexões para um debate

Por Luiz Joaquim | 24.01.2013 (quinta-feira)

Convidado pela Universo Produção, participei como crítico provocador no debate sobre o longa-metragem feito em Caruaru chamado “Ferrolho”, dirigido por Taciano Valério.

Transcrevo abaixo as ideias que escrevi para nortear a conversa.

Ferrolho, de Taciano Valério

Inicio lembrando de um texto publicado na revista gaúcha Teorema, edição de dezembro último, em que a critica Ivonete Pinto faz um artigo a partir da fala de Jean-Claude Bernardet, que temos o privilégio de ter aqui na platéia. No texto – feito a partir de um debate feito em Bagé, Rio Grando do Sul, há um termo que ele invoca chamado Cinema Irrelevante.

Ivonete lembra que Jean-Claude prefere chamar a produção pernambucana de cinema recifense, ao invés do habitual “cinema pernambucano”. É fácil justificar considerando que os filmes são realizados na capital do estado.

E aí chegamos a Ferrolho, feito na região agreste do estado, a 130 quilômetro do Recife. Me arrisco a dizer, a partir do conceito do tema da Mostra, “cinema fora do centro”, que este filme é o mais distante do centro entre todos os do programa “Aurora”, se considerarmos que os outros tem sua origem na capital de seus estados.

A produção audiovisual de caruaru é, eu diria, fora do centro inclusive do Recife.

Ferrolho chama a atenção por ser um filme que apresenta a Caruaru urbana, com questões de cidade de uma cidade grande, e não se concentra nos termos da cultura popular local, embora não a dispense, como é o caso da opção de registrar o trabalho com o barro como solução para ajudar na finança da casa.

Homens amassando o barro me remete ao homem voltando aos trabalhos raros, quase em extinção, e isso soa no filme quase como um posicionamento político sobre o assunto.

Nesse sentido, vem a mente um filme Manoel de Oliveira – O estranho caso de angélica – em que um fotógrafo está registrando homens rústicos numa plantação, que pegam na enxada e cantam enquanto trabalham meio que para espantar a dureza daquela labuta difícil, remetendo a uma tradição mais oral, do passado.

Mas, repito, salienta-se mesmo em Ferrolho é o aspecto urbano, dialogando com as coisas próprias que cercam o cineasta em Caruaru. É como se esse filme só pudesse ser feito em Caruaru, e o Taciano pode falar melhor sobre isso, ao mesmo tempo em que ele aqui, passando em Tiradentes, nos dá seu recado de forma absolutamente compreensível do ponto de vista do contexto humano, do indivíduo.

Essa relação do personagem com a cidade, evoca um clássico do chamado Cinema Marginal, em particular, O Bandido da Luz Vermelha, do Sganzerla. Quando temos a participação das mídias fazendo parte do discurso do filme, como o reportagem da TV que põe o povo para comentar sobre o bandido Ferrolho, lembramos do filme dessa mesma sua função nos filme do Sganzerla.

Outro eco do dito cinema marginal me parece presente também na interação do programa de rádio dentro do próprio filme, na refeição com a mãe, por exemplo, quando Ferrolho deixa o rádio interferindo na realidade da dramaturgia que vamos acompanhado de sua vida. Essa interferência do rádio soa como as clássicas narrações também radialista em O bandido.

O próprio Ferrolho é uma figura, pela sua maneira digamos, orgânica, de marcar seus assaltos, lembra rapidinho ao Bandido da luz vermelha.

Há ainda a grande angular no fusca, lembrando a abertura de Bang Bang do Tonacci.

Temos também uma aparente simpatia pelo cinema de Claudio Assis, digo não pela brincadeira, fazendo dele o mais importante jogador do glorioso Central Sport Clube, – há também outros cineastas na escalação final, que lembro: Bertrand Lira, Marcos Villar, Ely, Torquato.

Essa simpatia pelo cinema do Claudão, ao meu ver, aparece no interesse pelo personagem urbano simples, tão próximo a nós em seu problemas do cotidiano.
E interagindo com a cidade. Há algo explicito e quase literal nisso pelo menos na cena em que o Ferrolho se masturba para a cidade.

E o que ele está fazendo quando defeca na casa de suas vitimas senão dar um recado de como ele enxerga essa sociedade?

Agora, como provocação, eu queria colocar duas questões ao Taciano Valério.

1 – A inserção dos depoimentos reais das duas pessoas que trabalham com o barro. Eu até entendo como um reforço para a importância do assunto como tradição cultural, mas me parece que o solução dramatiza, e já bem dramatizada aqui, já dá conta do recado. Ao meu ver, os depoimentos chegam para quebrar, no mau, sentido um dinâmica que já estava indo bem. Ou seja, ela mais distrai que inclui.

2 – Uma outra situação que o filme coloca e me chama a atenção cada vez mais nos filmes de produção modestas, é a participação de gente da equipe atuando na frente da câmera. Ontem isso foi falado no debate do seguimento de curtas Foco 2, e aqui no Ferrolho, lembro te visto o Guga Rocha, técnico de som do filme, numa ponta como o prostituto que recebe um, digamos, trabalho bocal, da avô vivida pela Zezita Matos.

Então, a minha pergunta é que efeitos esses não-atores-profissionais – mas não totalmente ignorantes dos mecanismos da linguagem cinematográfica – provocam nestes filmes. Não para quem não os conhecem, mas para a dramaturgia, propriamente dita. Há um efeito diferenciado? Seria a pergunta.

Para finalizar

Me parece que já está na hora de repensar o termo cinema pernambucano
Eu me atrevo a dizer que talvez seja o caso de começarmos a fazer (e já percebo que fazemos) menos um exercício de links entre os temas nos filmes feitos em Pernambuco, e mais o de observar a personalidade cinematográfica destes realizadores.

Em Ferrolho, por exemplo, eu vejo mais o cinema nascente de Taciano, que um cinema de Caruaru, propriamente.

Não há o cinema da Bahia, mas o de Henrique Dantas, Claudio Marques, Edgar Navarro, só pra citar três contemporâneos bem distintos nas intenções.

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