Entrevista: Anne Hathaway (Os Miseráveis)
A miséria cantada
Por Luiz Joaquim | 02.01.2013 (quarta-feira)
Daqui a dois domingos, no dia 13, acontece a premiação do Globo de Ouro 2013. Em sua 70ª edição a cerimônia que é oferecida pelos críticos de cinema estrangeiros que atuam nos Estados Unidos é vista por muitos como uma prévia do Oscar – cuja 85ª edição acontece dia 24 de fevereiro. E Anne Hathaway é uma das mais fortes concorrentes ao prêmio de atriz coadjuvante para ambas competições (mesmo com as indicaçõe ao Oscar só sendo anunciadas na quinta-feira (10) da próxima semana.
Isso porque Hathaway vem angariando forte elogios nas competições onde tem passado com seu personagem no musical “Os Miseráveis”. Na adaptação cinematográfica de 2h37 minutos feita por Tom Hooper (“O Discurso do Rei”, 2010) a partir do clássico da literatura universal de Victor Hugo (1802-1885), a batgirl de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (2012) precisou emagrecer 12 quilos para dar vida a Fantine.
É o personagem título do primeiro volume de “Os Miseráveis”, que depois de despedida de uma fábrica precisa se prostituir para sobreviver e alimentar sua filha Cosette (Amanda Seyfried, fase adulta), até ficar tuberculosa e deixá-la com comerciantes que maltratam a menina. Com canções interpretadas ao vivo, “Os Miseráveis” ainda traz no elenco Hugh Jackman (“Australia”, 2008), como o protagonista do filme (Valjean), e Russel Crowe como Javert. O filme estreia no Brasil dia 1º de fevereiro.
Na entrevista abaixo, a atriz de “O Diabo Veste Prada” (2006) fala desta sua mais forte chance de premiação pelo Globo de Ouro desde “O Casamento de Rachel” (2008), da memória de criança ao ver sua mãe interpretando Fantine numa peça, de seu teste para o papel, de sua pesquisa com prostitutas, e do desafio de um atuar num musical cantado ao vivo, entre outros. Acompanhe.
ENTREVISTA: ANNE HATHAWAY (“Os Miseráveis”)
O que lembra da época em que viu sua mãe interpretando Fantine?
Realmente me lembro de ter me conectado com Os Miseráveis em um nível muito profundo, mesmo tendo apenas sete anos de idade. Minha mãe estava na verdade interpretando a garota da fábrica em uma produção itinerante do musical; ela era a substituta para Fantine mas interpretou o papel naquele dia. Assisti-la interpretar aquela personagem que passa por tantas coisas foi incrível. Aquilo tornou a história muito verdadeira para mim. Sentia uma profunda pena de todos personagens, mesmo sendo tão jovem.
Como foi ver sua mãe interpretar um papel tão trágico?
Bem, eu tinha visto ela morrer antes, ela interpretou Eva Perón, mas vê-la como Fantine foi diferente para mim, muito mais emotivo. Eu sabia que não era ela que estava morrendo, mas no espetáculo no palco, Fantine estava cantando para sua filha e me lembro que, na época, parecia que ela cantava para mim. Então, fiquei devastada assistindo ela morrer, foi muito intenso. Obviamente, eu não tinha ideia de que a personagem iria entrar na minha vida anos depois, da maneira que entrou. Ser parte desta extraordinária e maravilhosa obra cinematográfica de Tom Hooper parece realmente ser coisa do destino. Hesito em dizer isso, porque acredito que fazemos nosso próprio destino, mas se este foi o destino que criei, devo dizer que houve muita ajuda ao longo do caminho e é uma loucura a maneira em que tudo aconteceu.
Tom Hooper diz que sua audição foi impressionante.
Conheci Tom Hooper quando ele ganhou o Oscar por “O Discurso do Rei” porque estava apresentando a cerimônia do Oscar naquele ano (2010) então nossos caminhos se cruzaram algumas vezes durante a temporada. Fui para a audição e comecei cantando “I Dreamed A Dream” e cantei aquilo por cerca de uma hora. Sempre procuro por alguns pequenos sinais sobre como estou me saindo: eles estão olhando para os relógios? Eles estão acordados? Quando terminei de cantar, Tom estava chorando e achei aquilo estanho. Ele disse esta canção nunca tinha me feito chorar e eu pensei este é um bom sinal. (risos) Depois pensei: talvez ele chore à toa. Cantei The Arrest e depois fiz a cena da morte mesmo sem eles terem me pedido para prepará-la. Como tinha visto o espetáculo, conhecia a cena da morte muito bem. Foi realmente uma audição muito agradável. Mas, quando saí, segui pela rua e explodi em lágrimas. Foi uma experiência tão intensa (eu choro com muita frequência!).
Você pesquisa bastante?
Fiz muita pesquisa sobre a vida emocional das prostitutas e escravas sexuais contemporâneas. Assisti relatos e entrevistas angustiantes. Há mulheres em todo o mundo fazendo o que Fantine teve que fazer, que prefeririam morrer a ter que se tornar prostitutas, mas acabam fazendo isso porque têm que alimentar seus filhos. Ainda não sou mãe, mas compreendo e sou solidária com elas. O opressor é a situação. Foi comovente ouvir as histórias destas mulheres. Há mulheres que perderam tudo e que precisavam alimentar seus filhos. Em uma entrevista, viu uma mulher explodir em lágrimas e soluços torturantes. Realmente achei que deveria fazer justiça à realidade de todo o sofrimento destas mulheres”.
O filme é diferente da maioria dos musicais porque as canções foram cantadas ao vivo em vez da sincronia de lábios com faixas pré-gravadas. Isto deve ter sido muito desafiador.
Foi muito difícil, mas os papéis como o de Fantine são as joias, são os papéis que você procura encontrar porque são desafiadores e permitem que você se transforme para poder retratar o personagem. Tive realmente que trabalhar minha energia vocal. Mas tive muita sorte porque tive experiência no teatro musical e muita experiência no cinema. Então trabalhei para traduzir aquilo que adoro no teatro musical para a linguagem do cinema. Havia algo muito vulnerável em ter que me abrir e me tornar uma ferida aberta. Realmente me senti vulnerável. A música vai até onde as palavras não o deixam ir.
Como você interpretou “I Dreamed A Dream”, que é um número tão icônico?
Se você pensar em “I Dreamed A Dream”, a canção é um hino quando cantada no teatro. Ela emociona e apresenta Fantine ao público. É um número musical muito longo. Mas em filmes, quando o número é demorado, o público frequentemente se desinteressa. Se quiser um efeito poderoso, a melhor abordagem é mostrar restrição. Então, imaginei a canção a partir de uma perspectiva emocional restrita. Na primeira tomada de “I Dreamed A Dream” que fizemos, evitei ir até onde sabia que teria que ir. Depois, fiquei zangada comigo mesma e na próxima tomada deixei rolar. Lembro-me de como a música cresceu e explodiu em uma onda de emoção.
Pode comentar sua dramática perda de 12 quilos de peso para o papel?
Não quero discutir o método, porque temos tanta vergonha e preconceito sobre comida; isso faz parte da condição ocidental, vivemos em uma cultura onde temos abundância de comida e modelos de forma física. E, quando era adolescente, teria tentado qualquer coisa que uma atriz de quem gostasse tivesse tentado, para emagrecer. Mas posso dizer que perdi cinco quilos inicialmente, para preparar meu corpo para a perda de peso. Depois diminui a cada dia, enquanto estava trabalhando ao mesmo tempo. Tinha que chorar e cantar. Terminei perdendo mais 7 quilos. Mas a perda de peso foi especificamente para interpretar um papel no qual tinha que aparecer morta.
Por que você achou necessário perder tanto peso?
Aprendi muito durante as filmagens de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”. Christopher Nolan me pediu que fizesse todas minhas próprias lutas. Treinei por seis meses para uma luta que durou cerca de um minuto no filme. Mas aquela luta é bem mais efetiva porque fui em mesma que fiz. Compreendi a personagem muito melhor porque entrei na pele dela e em sua vida. Com a produção de “Les Mis” para o teatro, o público está disposto a aceitar a personagem, então ela não precisa estar tão magra, porém na linguagem cinematográfica você pode realmente parecer doente até a beira da morte e isso me ajudou a incorporar a personagem.
Como é trabalhar com Hugh Jackman? Você cantou junto com ele na cerimônia do Oscar.
Bem, Hugh e eu queríamos fazer algo musical juntos há algum tempo; estávamos procurando um projeto. Então este filme apareceu, o qual não tínhamos planejado. Não tinha nada a ver conosco. Aconteceu de aparecermos juntos no filme e fiquei muito emocionada. Ele é uma pessoa adorável, ele é simplesmente a pessoa mais forte que conheço, e ele tem um jeito natural. Ele leva tudo que faz muito a sério e se compromete dez mil por cento. Também é muito agradável tê-lo por perto. Ele é um ator e cantor maravilhoso e adoraria trabalhar com ele novamente. Também foi fantástico trabalhar com Russell Crowe. Ambos são homens emotivos, gentis e maravilhosos e tive muita sorte de trabalhar com eles.
Seu cabelo foi tosquiado para o papel. O cabelo foi cortado realmente na filmagem. Com foi esta experiência?
Meu cabelo tinha realmente crescido muito; nunca tinha tido cabelo tão longo em toda minha vida. Dei ao Tom a opção de cortá-lo de verdade. (Apesar de alguns amigos que são atores terem me dado os nomes de ótimos peruqueiros). Mas realmente achava que cortá-lo de verdade era a coisa certa a fazer. Estava preocupada, mas estava sendo bem firme quanto a fazê-lo, até o dia em que realmente iríamos cortá-lo. Tirei várias fotos do meu cabelo comprido porque queria me lembrar dele. Realmente não queria fazer isso naquele dia, mas tinha feito esta promessa e não deixo de cumprir minhas promessas. Também, àquela altura, não havia mais tempo para fazer uma peruca curta. Estava com bastante medo, eu tremia, mas poderia usar aqueles sentimentos frágeis para interpretar a personagem. Então, na verdade, isso foi uma bênção.
Por que acha que Os Miseráveis ainda repercute tão bem com o público?
Acho que o filme realmente captura a emoção de como é ser jovem, idealista e zangado e querer iniciar uma revolução, e também acho que este filme é político porque a história é política. Vitor Hugo escreveu uma obra prima que é única em sua representação da paixão e do amor e, quando você vê as cenas com os estudantes e todas aquelas imagens, você pensa em todas as imagens que vê nos noticiários e em tudo que está acontecendo agora no Oriente Médio.
O quanto você está apreciando sua vida no momento?
Completei 30 anos, consegui! Não estou mais na casa dos 20 e sou super agradecida pela maneira como passei estes anos e porque realmente gosto de estar onde estou agora. Acho que consegui fazer muitos trabalhos e entrar na casa dos 30 em plena forma. Agora quero crescer. Esperava que chegar aos 30 seria o dia do juízo final, mas tenho visto meus amigos chegarem aos 30 e, depois de inicialmente se preocuparem e reclamarem, todos eles floresceram. Recentemente descobri uma apreciação pela maneira como a vida se desenrola e sei que você não pode nunca acreditar que tudo está garantido. No meu trabalho conheço tantas pessoas e posso dizer que a maioria das pessoas do mundo são na verdade fantásticas. Acho que possuo uma visão exclusiva do mundo e tenho as mais adoráveis experiências com pessoas que conheço em todos os lugares. Tenho muita sorte. Este foi o melhor ano de toda a minha vida.
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