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Críticas

Holy Motors

Espelho do homem na sociedade

Por Luiz Joaquim | 22.02.2013 (sexta-feira)

Mesmo aqueles íntimos da obra do francês Leos Carax devem ter se espantado, no bom sentido, com o turbilhão de sensações propostas por “Holy Motors” (Fra./Ale., 2012) que entra em cartaz hoje no Cinema da Fundação. Uma dúvida era certa a estes íntimos: o que viria em “Holy Motors” uma vez que este seria uma espécie de retorno do cineasta ao longa-metragem 13 anos após o mediano “Pola X”?

Mais conhecido no Brasil por “Sangue Ruim” (1984) e o ótimo “Os Amantes da Ponte Neuf” (1986), ambos estrelados por Juliette Binoche e Denis Lavant, Carax deu o ar da graça no melhor episódio do coletivo longa “Tokyo” (2008). À propósito, o personagem de seu episódio ali, intitulado “Merda”, reaparece em “Holy Motors”.

Interpretado por Lavant, o Sr. Merda é a medonha criatura que sai dos esgotoso (agora de Paris) comendo flores, perturbando transeuntes, sequestrando beldades (Eva Mendes) e levando-as de volta ao esgoto. O Sr. Merda, enfim, tira a paz do “mundo de cima” ao relembrá-lo que o sujo existe e não pode ser ignorado.

Em “Holy Motors” (numa tradução livre, “motores sagrados”), o episódio é um entre nove pelos quais vive o Sr. Oscar (Lavant, desdobrando-se em 11 personagens). Em sua limosine branca circulando por Paris, Sr. Oscar tem em sua agenda do dia nove encontros e para cada um deles, nós acompanhamos sua preparação no interior da limosine, como a auto-maquiagem que aplica para metamorfear-se no Sr. Merda.

Com situações cada uma mais surpreendente e inesperada que a anterior, Mr.Oscar surge como uma espécie de representação de nós mesmos em nossos diversos papeis sociais, que interpretamos sem nem percebermo-nos bem no dia-a-dia. São situações em que uma roupa, ou um cenário, são apenas elementos que contribuem para um comportamento espécifico e esperado para a situação; ou seja, o assunto aqui é a nossa identidade.

Seja como uma velhinha indigente, seja como uma figura cybernética (gerando lindas imagens magnéticas), um acordeonista, como um pai durão, ou um tio moribundo, a proposta criado por Carax para Lavant interpretar é um presente para qualquer ator.

Do ponto de vista de cá, do espectador, o Sr. Oscar pode ser lido também como uma espécie de criatura divina que está aqui para manter a ordem entre os humanos. Se é assim – e a leitura só pode ser livre em “Holy Motors” (daí sua grandeza) -, o filme de Carax dialoga quase que num sussurro com a ideia de Wim Wenders em “Asas do Desejo” (1987), e mais contemporaneamente com “Cosmópolis”, de David Cronemberg, que concorreu em Cannes 2012 ao lado Carax.

Com “Cosmópolis” a ligação está na ambiência da limosine e da figura solitária do bilionário Eric (Robert Pattinson), com o detalhe de que, se o Sr. Oscar deixa seu habitáculo celestial para manter a ordem, Eric faz o oposto. À propósito do “celestial”, é imperdível o diálogo lacônico das limosines, lamentando-se que os homens cada vez menos se interessam por “motores sagrados”. Uma verdade.

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