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Críticas

O Voo

O incorreto Denzel Washington

Por Luiz Joaquim | 08.02.2013 (sexta-feira)

Que bom rever o veterano Robert Zemecks de volta e em forma no cinema. Marcado para a eternidade pelos clássicos “De Volta para O Futuro” (1985) e “Uma Cilada para Roger Rabbit” (1988), o diretor Zemecks tem se dedicado mais na última década à produção, e eventualmente assume a direção de um projeto. São projetos caprichados os quais transforma em icônicos. Gente que vai ao cinema nunca irá esquecer “Forrest Gump: O Contador de Histórias” (1994) ou “Naufrago” (2000).

Hoje chega um novo trabalho do diretor Zemecks, “O Voo” (Flight, EUA, 2012), com Denzel Washington protagonizando e nos lembrando que sim, ele ainda consegue ser um bom ator. Reforçando também que em seus papeis como anti-heroi, o afro-americano se saí melhor que aqueles em que é mocinho, digamos, puro. Não à toa, Washington concorre ao Oscar dia 24 próximo (pela sexta vez, tendo já levado por “Tempo de Glória”, 1989, e “Dia de Treinamento”, 2001).

“O Voo” também concorre ao Oscar pelo roteiro original de John Gatins. De fato, a razão da boa qualidade neste filme parece concentrar sua raiz no trabalho resultante do trio Zemecks-Washington-Gatins.

A oferta de situações dramáticas no roteiro de Gatins é rica o suficiente para render uns três filmes pertinentes, mas “O Voo” vem suficientemente bem amarrado para apresentá-lo uno e redondo. Com um norte dramático muito bem desenhado a partir do bem fundamentado personagem de Washigton – Whip, um alcoólatro comandante de avião de carreira -, a trama ainda apresenta alguns personagens satélites magnéticos, com diálogos afiadíssimos e, diria, surpreendentes considerando seu grau politicamente incorreto.

Nessa linha, há o doente terminal de câncer que debocha daqueles que acreditam que ele tem alguma sabedoria extra por estar “perto do outro lado”; ou ainda o presidente da companhia aérea que emprega Whip e, ao ouvir o plano de defesa do advogado (Don Cheadlle) para inocentar o piloto, solta o seguinte: “Uau, você é bom. Me dá vontade de cheirar cocaína e saír pilotando um avião”.

Já Zemecks, que derruba seu segundo avião no cinema (lembrem de “Náufrago”), incrementa o roteiro de Gatins com ritmo e planos harmonizando em prol do personagem, ora pela ação, ora pela introspecção. Enquanto isso, Washington vai seguindo dentro de seu personagem, um sujeito errante e desregrado num trabalho de extrema responsabilidade.

Apesar do motivo tradicional – Whip foi deixado pela mulher e filho – para explicar a inclinação do piloto para as drogas e álcool, “O Voo” não insiste nisto. Esta já é uma informação dada desde o início. A principal tensão está no fato de Whip ter salvado 96 pessoas de um total de 102 no voo que pilotava. Se não fosse por sua manobra radical, o avião defeituoso teria causarado uma catástrofe monumental.

Acontece que pistas de sua embriguez põem em questão o ato heróico do piloto, e de herói ele corre o risco de virar algoz, podendo receber prisão perpétua pela responsabilidade de homicídio doloso de seis pessoas. Questão ética posta, Zemecks ainda explora uma questão moral: vale trair um morto em benefício próprio? A cena final resume a melhor resposta para esta questão.

“O Voo” é filme digno por encarar as fraquezas de um homem comum mas sem vendê-lo com vítima. E o recado é dado logo na primeiríssima sequência de abertura. Com o comandante Whip acordando na cama de um hotel, brigando por telefone com a ex-esposa a lhe cobrar dinheiro, enquanto a aeromoça com quem tem um caso (a modelo Nadine Velazquez) caminha totalmente nua pelo quarto procurando sua roupa espalhada. Soa como gente de verdade. E isso é bom.

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