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Críticas

A Parte dos Anjos

A paternidade que transforma

Por Luiz Joaquim | 08.03.2013 (sexta-feira)

Numa tradução mais adequada à cultura brasileira, o título original, “The Angel s Share”, do filme do britânico Ken Loach, poderia ser chamado de “a parte do santo”, e não pela tradução literal que recebeu, “A Parte dos Anjos” (Ing. 2012). Isto porque a expressão por lá diz respeito ao vapor que se perde durante uma etapa da maturação do Whisky. Por aqui, seria aquela pinguinho que os bebedores de chachaça despejam no chão antes de sorver o primeiro gole. No filme, com estreia nacional hoje, é uma monitora numa destilaria escocesa quem dá a explicação técnica sobre o whisky.

A monitora apresenta o processo de confecção da nobre bebida a um grupo de deliquentes. Os quatro cumprem um serviço comunitário como pena, e estão em visita ao espaço. Entre eles está Robbie (o ótimo Paul Brannigan, estreando no cinema), que por pouco não é condenado a prisão por ter reagido violentamente as tios de sua namorada grávida. O motivo: a família dela é rica, a dele é pobre, e os dois clãs vêm de longos conflitos que ultrapassam gerações.

Vencedor do prêmio do júri no Festival de Cannes 2012, “A Parte dos Anjos” é mais um preciso trabalho de Loach (“Kes”, “Meu Nome é Joe”, “À Procura Eric”), pelo qual constroi personagens absolutamente consistentes, encorpados e com personalidade e sensibilidade forte. Como parte de seu “perfil” cinematográfico, Loach também não se refuta aqui de olhar sem piedade para estas suas criaturas como um resultado de seu habitat.

No novo filme, se simpatizamos com Robbie pelo seu verdadeiro desejo de se reabilitar para ser admirado pela namorada Leone (Siobhan Reilly) e ao recém-nascido bebê Luke, Loach não deixa de registrar a origem violenta do protagonista. Em ao menos dois momentos, vemos o resultado dos impulsos de brutalidade do jovem desempregado. É, talvez, o mais impactante deles está naquele em que a vítima relata com riqueza de detalhes, diante de Robbie, a consequência física e psíquica resultante de seu destempero. Na cena, o constrangimento por erro incompreensível é a grande arma que Loach, num jogo de cena perfeito, usa para o recém-pai Robbie perceber a dimensão de seu crime.

É uma sequência chave, que não apenas ajuda a conhecermos melhor o protagonista, como impulsiona sua decisão de ser correto, e seguir para cima, ao invés da outra direção para onde seus inimigos o empurram. Nesse processo, seu chefe nos serviços comunitários, o gente boa Harry (John Henshaw), é uma figura decisiva. É ele quem introduz Robbie e o trio de atrapalhados Albert (Gary Maitland), Mo (Jasmin Riggs) e Rhino (William Ruane) no milionário mundo da degustação de Whisky na Escócia.

Descobrindo-se dono de uma paladar refinadamente raro, é por esse dom que Robbie encontra a saída para a sua vida à princípio condenada pela família de Leona. Como na maioria dos “Loachs”, a situação está longe de ser engraçada para o protagonista, mas vida ordinária, comum, é tão cheia de situações curiosas que às vezes é impossível não rir. E só mesmo um mestre para captá-las de forma autêntica, e por isso mesmo, cativantes.

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