Francisco Brennand – Pernambuco x 4
A filosofia e a mitologia do homem da Várzea
Por Luiz Joaquim | 22.03.2013 (sexta-feira)
Talvez muitos nao estejam se dando conta de que está é uma semana histórica para o cinema pernambuco. Entre hoje e a próxima quinta-feira temos quatro longas-metragens pernambucanos em cartaz em salas de cinema do Recife. O que há de diferente nisso? O ineditismo. O que representa? Um indício de profissionalismo também no quesito da distribuição por parte de nossas produções, e sensibilidade por parte do circuito exibidor local.
Se há 18 anos era difícil imaginar a realização de um longa-metragem no Estado, ter quatro deles exibindo comercialmente em salas da cidade era impensável. Aliás, no cinema São Luiz, onde hoje está em cartaz “Filme Jardim Atlântico”, de Jura Capela, e “Era Uma Vez Eu, Verônica”, de Marcelo Gomes, – exibia há 18 anos “O Profissional”, filme de ação do francês Luc Besson.
O Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, hoje projetando “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, e estreando “Francisco Brennand”, de Mariana Fortes (leia mais abaixo), nem funcionava regularmente em 1995 como funciona hoje; mas projetou naquele ano a trilogia da cores do polonês Krzysztof Kieslowski.
O que chama a atenção, entretanto, é que os espaços responsáveis pela exposição dos quatro longas-metragens são salas públicos do Governo do Estado e do Governo Federal, respectivamente. O que não significa que os títulos pernambucanos estão expostos ali por benevolencia, e sim por competência.
Se “Francisco Brennand”, por exemplo, foi eleito o melhor filme pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e levou o prêmio Itamaraty na 36ª Mostra de SP, “Era uma Vez Eu, Verônica”, de Marcelo Gomes, foi eleito melhor filme no 45ª Festival de Brasília.
E se “Filme Jardim Atlântico” chamou atenção na IV Semana dos Realizadores no Rio de Janeiro, “O Som ao Redor” levou dezenas de prêmios pelo mundo e está em destaque na mídia brasileira há exatos 15 meses (com Mendonça, em breve, participando no programa “Esquenta!”, da Rede Globo).
Para reforça a importância desse momento, tal configuração, de quatro filmes de uma mesma região em cartaz simultaneamente, é rara mesmo para os Estados tradicionais na produção cinematográfica brasileira, leia-se Rio e São Paulo.
O próximo desafio é ter quatro filmes pernambucanos filmes em cartaz no circuito comercial privado de cinema. Dos títulos mencionados aqui, os de Mendonça e Gomes chegaram lá, em datas distintas, mas no Recife tiveram vida curta. Já é, de toda forma, um começo; e esperamos não ter de esperar mais 18 anos para atingir a próximo vitória no contexto do mercado exibidor.
FRANCISCO BRENNAND – Há seis anos, Mariana Fortes estreava num longa-metragem com seu documentário de nome difícil de lembrar – “O Côco, a Roda, O Pnêu e O Farol”. Ali já era possível ver o olhar afetivo da diretora para seu objeto, no caso, o ritmo musical do título pela ótica de um comunidade olindense.
Se a afeição já aparecia ali, o que dizer de “Francisco Brennand”, novo documentário pelo qual avalia as obras e inquietações criativas do seu tio-avô que dá título à produção. O filme, em cartaz no Cinema da Fundação, nasceu do desejo de Mariana, que assim que voltou ao Brasil, após formar-se em cinema na Califórnia, definiu que contaria a história do artista plástico e sua relação com o ateliê no bairro da Várzea, Recife, onde vive há mais de 40 anos.
Ninguém mais apropriado que Mariana para alcançar a intimidade do artista que, para ajudá-la no argumento, lhe confiou um diário o qual alimenta desde 1948. Nesse sentido, “Francisco Brennand”, o filme é um trabalho revelador e aí deve residir seu maior mérito. Mas não apenas por isso.
Mariana consegue imprimir, com a fotografia discreta de Walter Carvalho e com as músicas suaves e precisas de Lucas Marcier, a atmosfera precisa para encorpar ao espectador o universo único de Brennand traduzido pela sua oficina e o Grande Páteo ao Templo do Ovo Primordial. Na verdade, é a comunhão entre o ritmo do filme e o ritmo de Brennand – aos 75 anos com suas barbas brancas, erudição e sensibilidade artística – que torna o documentário corente, logo, pertinente.
Isto, claro, agregado ao prazer que proporciona por nos dar imagens a partir das imagens criadas por Brennand. Não à toa, um dos momentos mais marcantes do doc. mostra o artista sentado a uma cadeira enquanto, apoiado de sua inseparável bengala, observa e se surpreende com uma pintura antiga. Pintura que tanto preza e que teme serem relegadas após sua morte. Ao final, com um único e belo plano, Mariana nos faz lembrar da beleza e importância das criações do tio-avô que, de tão impregnada à cultura pernambucana, já não se dissassocia do cotidiano urbano do Recife.
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