17º Cine-PE (2013) – noite 3 (Mazzaropi)
A lição de um caipira
Por Luiz Joaquim | 30.04.2013 (terça-feira)
A noite de domingo no 17o Cine-PE: Festival do Audiovisual foi de triplo reconhecimento. Um pela homenagem ao cineasta Silvio Tendler, que chegou ao palco de cadeira de rodas, por estar em recuperação de uma cirurgia de descompressão na medula óssea. Dois pelo curta-metragem “Alexina: Memórias de Um Exílio”, dos pernambucanos Cláudio Bezerra e Stella Maris Saldanha, sobre a importância de Alexina Crespo no contexto das Ligas Camponesas. Três pelo resgate do exemplo que foi Amacio Mazzaropi para o cinema nacional.
Filme de estreia do critico paulista de cinema, Celso Sabadin, a primeira impressão que o documentário “Mazzaropi” deixa é a de um esforço grande no que diz respeito a pesquisa para chegar a depoimentos reveladores, intercalando imagens (raras) do caipira mais popular do nosso cinema.
Estruturando-se na clássica alternância da fala dos entrevistados para tentar conceituar a ideia do viria a ser o “caipira”, Celso introduz ao espectador a figura do Mazzaropi que começou a carreira com espetáculo mambembes até chegar a rádio e a TV Tupi com o programa “Rancho Alegre”, e depois ser convidado ao cinema pela Vera Cruz.
Daí em diante, o doc puxa dos depoentes não só aspectos profissionais como também pessoais. Celso não esconde, por exemplo, questões já conhecidas mas nunca faladas tão abertamente como a da homossexualidade do artista. No caso mais curioso, o ator David Cardoso, imitando Mazza muito bem, lembra humorado (mas de forma respeitosa) de uma cantada que recebeu.
Mas a provável maior qualidade do filme está na sua fluência. A edição, clássica, costura bem temas como a ingenuidade de Mazza com aspectos técnicos; com a sua inteligência em entender o que o povo quer ver; com o seu pragmatismo na produção; com o seu pãodurismo nas contratações; e com sua generosidade humana. O filme faz isso de maneira orgânica, renovando fácil o interesse do seu espectador.
Se ao abarcar depoimentos de bons conhecedores de cinema, como Ismail Xavier, Gustavo Dahl, Alfredo Sternheim, Celso nos faz repensar o valor do Mazza para a história do cinema nacional, ao ouvir técnicos (Pio Zamunner) e artistas (Hebe Camargo, Agnaldo Rayol, Ronnie Von) que trabalharam com ele o documentarista nos revela o pouco conhecido ser humano generoso que foi o cinebiografado.
Já ao ouvir os fãs Carlos Massa (o apresentador Ratinho), ou mesmo os filhos desses fãs, Celso prova que o maior amigo do nosso Jeca foi mesmo o tempo, que não se curvou ao seu talento e o faz ainda se reconhecido pela geração atual.
O exemplo que esta memória de Mazzaropi deixa para o cinema nacional ainda hoje é a sua inteligência objetiva de empresário, interessada em atingir o público para poder fazer mais cinema. Essa não é uma lógica que foi inventada por ele no Brasil, mas foi ele quem decidiu supervisionar as bilheterias dos cinemas onde tinha suas fitas em projeção. Este sim, um cuidado primordial para o tempo em que viveu. Digno da esperteza do caboclo que interpretava na ficção.
Mazzaropi foi talvez o único profissional da Vera Cruz que aprendeu a lição com a falência do estúdio. Fala-se que deixou uma fortuna (para nenhum herdeiro) de 30 milhões de dólares ao morrer em 1981, por conta de uma leucemia. Quem mais fez um fortuna como esta no Brasil exclusivamente pela cinema?
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