As Sessões
Comunhão entre fé, razão e sexo
Por Luiz Joaquim | 10.04.2013 (quarta-feira)
Muito, muito distante de figuras grandiosas, como um presidente abolicionista norte-americano, ou revolucionários franceses, ou caçadores de terroristas árabes, chega hoje aos cinemas do Brasil um homem naturalmente frágil, por ser poliomelítico, e humilde, por ser sábio. O filme chama-se “As Sessões” (The Sessions, EUA, 2012) e daqui (15/02) a nove dias (24/02) concorre a um único Oscar, o de melhor atriz coadjuvante pela cirúrgica performance de Helen Hunt.
Não são poucos os títulos cujo protagonismo é levado por um portador de deficiência física e torna-se um sucesso. Dois exemplos recentes vieram da França: “Intocáveis” (2012) e “O Escafandro e A Borboleta” (2008). Mas o que pode parecer uma fórmula para êxito, se apoiada na piedade que personagens assim sugerem, é no final das contas uma faca de dois gumes caso a pieguice – sempre se equilibrando aqui por um fio – não seja evitada pelo diretor.
No caso de “As Sessões”, dirigido por Ben Lewin, este personagem é Mark O Brien (1949-1999) jornalista, advogado, poeta cuja pólio contraída na infância o obrigou a viver numa cápsula a qual ele chamava de “pulmão de aço”. Fora dela, O Brien só tinha a autonomia máxima de quatro horas respirando bem.
O personagem já teve seu nome atrelado ao Oscar quando, em 1997, o documentário em curta-metragem “Breathing Lessons: The Life and Work of Mark O Brien”, de Jessica Yu, venceu o prêmio da categoria.
Já o enredo do drama “As Sessões” se passa em 1988 e é inspirado no artigo “Sendo atendido por uma substituta”, escrito por O Brien nos anos 1990 para o jornal The Sun. A princípio, você verá o filme ser resumidamente vendido como a experiência que ele viveu com a terapeuta sexual Cheryl (Helen Hunt). Foi ela quem o fez, aos 36 anos, ter sua primeira experiência sexual. Mas esta é apenas a parte curiosa aqui. Aquela que recheia a cabeça dos curiosos sobre a vida sexual de uma vítima da pólio.
Por este aspecto, considerando o impiedoso mercado do entretenimento dependente do apelo sexual, a nudez frontal de Hunt é a primeira moeda de venda do filme. É claro que a sequência impacta se é levado em conta a carreira até aqui de Hunt na televisão e no cinema. O de uma espécie de namoradinha da América. Da mulher perfeita e bem comportada. Mas o efeito da nudez não segue depois do primeiro impacto. E um efeito menor perto do espírito humano que o filme inteiro propõe. Com bom humor, mas sem a cretinice de piadinhas.
O humor é uma chave aqui, como também é o poder da palavra. A palavra, afinal, é o único domínio de O Brien. Afinal, ele só vive graças a sua capacidade imaginativa, dentro de sua própria cabeça. E os diálogos no filme acompanham essa elegância própria de quem sabe usá-la (a palavra). O Brien termina por fim, quase que de forma involuntária, se saindo um tímido e competente galanteador.
Há ainda o catolicismo, que sempre guiou Mark como alicerce contra sua solidão e, sendo assim tão fundamental, “As Sessões” não faz do catolicismo algo estúpido, como é facilmente encarado por alguns. É colocado com graça, inteligência e seriedade, inclusive dentro de um sentido prático para a vida. É, em outras palavras, uma maneira sóbria de mostrar a possibilidade do benefício que uma religião pode oferecer, sendo o discurso aqui sussurrado, e não gritado. O que reforça sua eficiência.
Numa química perfeita com Hunt, o protagonismo vivido pelo bom ator Jack Hawkes só ajuda a imergir nessa coisa tão misteriosa para alguns, e tão simples para outros, chamada “sexo”. A opção do diretor Lewin com sua representação imagética daquilo que seria a consumação carnal do amor entre um homem e uma mulher resulta em algo belíssimo. E se tentássemos traduzir neste texto uma palavra que a representasse, esta seria “suave”.
Hawkes, quase sempre em papeis secundários (pode ser visto também em “Lincoln”), chamou a atenção no Brasil quando protagonizou o subestimado “Eu, Você e Todos Nós” (2005), sobre a importância das coisas ordinárias, comuns, da vida.
No assunto sexo é curioso observar no filme também uma perspectiva diferente da deixada pelo sentido histórico, ou seja, aquele em que é o homem quem conduz o ato sexual. Há aqui uma inversão muito mais sofisticada do que aquelas que estamos habituados a ver na mídia sobre “gênero sexual” e suas exigências por direitos iguais. Na experiência íntima de O Brien, a igualdade para ele não é uma busca, mas uma razão.
É essa igualdade que desequilibra a psicóloga Cheryl, e Helen Hunt dá o tom certo, numa contenção tocante quando se vê dividida a certa altura do tratamento. A propósito, hoje aos 68 anos, a verdadeira Cheryl Cohen Greene ainda trabalha como terapeuta sexual, tendo já atendido mais de 900 pessoas.
E por falar em relacionamentos, mulheres, de todas as idades hão de ficar com o coração apertado assistindo “As Sessões”. Talvez até relativizem o quão romântico seus companheiros um dia já foram com elas. Boa sorte para eles.
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