Depois de Lúcia
Amarga adolescência
Por Luiz Joaquim | 11.04.2013 (quinta-feira)
Há cerca de dois anos, foi postado no YouTube.com um vídeo com cerca de 40 segundos pelo qual, na escola, um garoto obeso é humilhado e esmurrado por um outro franzino. A certa altura o obeso decide reagir e ergue seu algoz para o alto, arremessando-o contra o chão como se fosse um trapo velho. O filme “Depois de Lúcia” (Después de Lucía, Mex./Fra., 2012) de Michel Franco – em cartaz a partir de amanhã (12/04) no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e no Cine Rosa e Silva – nos dá uma ideia exata do que se passa entre o sofrer bullying e o reagir contra essa opressão. O resultado nunca é menos que traumático.
O vídeo citado – “Bully gets slammed by fat kid” (Valentão é abatido por garoto obeso) – já teve cerca de 4,5 milhões de visionamentos na Internet e é fácil de entender o porquê. O assunto bullying (humilhação contínua por violência física ou psicológica) naturalmente interessa já há algum tempo e soa para qualquer sociedade sadia como algo quase fictício tamanha a dimensão de crueldade entre os adolescentes.
O assunto chama a atenção exatamente pela, cada vez mais, parcial ou total ausência de comunicação, compreensão dos pais com o universo de seus filhos(as), podendo a constatação do problema chegar tarde demais.
A Lúcia do título do filme é a recém-falecida mãe de Alejandra (a ótima Tessa Ia), de 15 anos. Para abrandar o luto, seu pai (Hérnan Mendonza), um chef de cozinha, muda-se com ela para a Cidade do México, onde todos são estranhos. A garota, que encara a ausência da mãe com mais naturalidade que o pai, começa novas amizades na escola.
Logo enturma-se e as paqueras acontecem sem que o pai saiba. Nada anormal, até que um vídeo indesejado com Alejandra vai parar na Internet e ela começa a sofrer todo tipo de abuso dos colegas na escola. Refém de si própria (a revelação do vídeo ao pai a constrangeria profundamente), a menina não sabe a quem recorrer e apenas espera que os maltratos encerrem. Mas não acontece.
A violência apenas cresce e numa gradação que deixa o espectador atônito. Aqui nessa dosagem, o roteiro de Franco é especialmente cuidadoso pois faz seu público pensar que as possibilidades de humilhações já chegaram no seu limite, mas ele nos surpreende a cada minuto. A questão ao espectador passa então a ser outra e a pergunta torna-se mais triste: o quanto Alejandra pode aguentar?
Ainda pelo roteiro, mais um mérito está na amarração dos acontecimentos. O xadrez em que Franco põe sua adolescente é tão opressor quanto crível (e, portanto, angustiante). Pela própria natureza das fragilidades de uma menina de 15 anos que perdeu a mãe e passa a viver numa cidade estranha com o pai em depressão, a sensação é a de que não há saída nesse labirinto de torturas.
Outro crédito em “Depois de Lúcia” está na direção objetiva, seca de Franco. Ele prova saber exatamente o que quer mostrar, e na hora certa. Não um milímetro de gordura narrativa, nenhum excesso dramático. O tom é sóbrio. Impiedoso e sem julgamento para com os jovens algozes (eles são maus, e isso não está em questão), e sem sentimentalismo por parte da vitima (Alejandra sofre calada, não reage ou chora).
É essa mesma secura, em como Franco apresenta os fatos, que deverá deixar o público com uma palpitação ainda mais forte no coração durante o desfecho do filme. A sequencia final, que se move em função de um único sentimento – o desespero – só amplifica um quadro que já se mostrava horroroso.
Um quadro cuja conclusão, sem dúvida, vai dar as mãos mais na frente com a culpa e o arrependimento. “Depois de Lúcia” foi eleito o melhor filme na mostra paralela Un certain regard, no Festival de Cannes.
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