Livro: Lanterna Mágica
Bergman olha para Bergman
Por Luiz Joaquim | 16.04.2013 (terça-feira)
A editora Cosac Naify ressuscita um tesouro que vinha fazendo falta nas livrarias: a autobiografia de Ingmar Bergman (1918-2007). “Lanterna Mágica” (320 págs, R$87,50), escrita pelo cineasta sueco em 1987, chega em nova edição seguindo a habitual elegância de sua atual editora. Nesta nova versão do livro está incluído um prefácio de Woody Allen. Na verdade uma resenha feita em 1988 pelo diretor novaiorquino para o jornal The New York Times.
Espirituoso por natureza, Allen divide suas observações em duas partes. Primeiro chama a atenção para como despertou à obra de Bergman – inicialmente querendo descobrir a nudez de Harriet Anderson em “Mônica e O Desejo” (1953), e só depois teria a “boca seca e o coração batendo” da primeira a última sequência de “Morangos Silvestres” (1957). Foi nesse momento que Allen abraçou “o que viria a se transformar num vício de uma vida inteira”.
Numa segunda parte, ele analisa o livro e alerta que alguns leitores podem se frustrar: “O livro deixa de fora coisas que você teria certeza que ele iria comentar. Seus filmes, por exemplo”. Com a permissão de Allen, vale arriscar dizer que “Lanterna Mágica” é especialmente fascinante exatamento pelo seu autor não tentar explicar seus filmes, e sim tentar traduzir (e como é eloquente) a sua forma de ver o mundo. Desde a tenra infância até à impiedosa velhice.
Sobre o envelhecimento ele diz, “nem lamento, nem aceito com prazer. A resolução dos problemas é mais lenta… as decisões tomam mais tempo; fico paralisado diante de dificuldades práticas imprevistas”. Como uma coisa (sua perspectiva pessoal sobre a vida) não pode ser desvinculada da outra (sua obra), temos então uma espécie de compêndio que abriga os diversos temas que o cineasta abordou em sua produção cinematográfica e teatral.
À propósito, é interessante observar como no livro ele se dedica muito mais a comentar os meandros do teatro que do cinema. Impressiona mesmo seu rigor em descrever a família, os colegas de profissão, atores e amigos. Bergman é aqui de um objetividade e severidade típica de quem foi criado por um pai pastor nórdico; de quem tinha resentimentos e recusou-se a visitar-lhe no leito de morte em 1965, até sua mãe vir resgatá-lo.
Sua disciplina profissional e sua impertinência intestinal conflitavam com o seu desejo de atingir o belo. Aquele momento que justifica uma vida e que ele até consegue identificar, como numa sequência de “Fanny e Alexander” (1982). “A dor, difícil de apreender, esteve ali por alguns segundos e nunca mais vai voltar…. na fita vai ficar gravado o momento. Então, acredito que os dias e meses de disciplina valeram a pena. Talvez eu viva para estes instantes”.
TRAUMA – Uma das maiores decepções na vida de Ingmar Bergman não teve relações com o cinema mas sim com o governo sueco. E o diretor deixa bem claro neste “Lanterna Mágica” o trauma que o caso lhe deixou. Em 1976, o diretor preparava-se para rodar “O Ovo da Serpente” quando recebe incrédulo a visita da polícia sueca. Acusado de ter cometido fraude no imposto de renda, Bergman declara que seu único erro foi ter confiado em seu contador e, dessa forma, assinado documentos sem lê-los ou, se lidos, ter assinado mesmo sem entender seu conteúdo.
O dano não foi pequeno, e ele o sublinha assim: “Essa história, comprida e quase insuportável, que se estendeu por muitos anos, causando a mim e aos meus terrível sofrimento, custou uma fortuna em honorários advocatícios e me mandou para o exílio durante nove anos”. O realizador, à época já uma assumidade em seu país e no mundo, começou a ver sua carreira declinar.
Vitimizado por uma crise depressiva, precisou ser tratado com valiums e, anos depois, por ocasião do lançamento de “O Ovo da Serpente” muitos viram na obra um desabafo do autor contra os agentes do governo sueco. Na verdade, o diretor queria fazer conexões com o nascimento do nazismo. Um mal que poderia ter sido evitado se o ovo e a serpente pudessem ter sido destruídos no nascimento.
SERVIÇO
“Lanterna Mágica”
de Ingmar Bergman
Tradução: Marion Xavier
Cosac Naif, 320 págs.
R$ 87,50
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