17º Cine-PE (2013) – noite 4
O Recife quente de Adelina Pontual
Por Luiz Joaquim | 01.05.2013 (quarta-feira)
Se a ideia de um festival de cinema passa pela composição dos filmes, pela platéia e pela interação desta platéia com estes filmes, então a impressão que se tem é a de que o 17º Cine-PE: Festival do Audiovisual começou mesmo na segunda-feira passada. A sessão competitiva, naquela noite, do primeiro longa-metragem de Adelina Pontual – o documentário “Rio Doce/CDU” – atraiu aparentemente o maior público, até então, desta edição. Se não o maior, certamente foi o mais interativo.
Antes que a razão do sucesso seja taxada de bairrismo – pois o longa é o único pernambucano na mostra competitiva – vale dizer que se o o documentário não tivesse as qualidades que possui, não seria o tal do orgulho pernambucano que seguraria o público local. Um público que sabe ser crítico e interativo quando deseja. As qualidades da obra estão na forma, nos personagens, na composição. Tudo orquestrado pela sensibilidade humana de Adelina.
Ao seu lado, ela contou com profissionais que, a olhos vistos, seguem crescendo em suas competências. Entre eles, o fotógrafo Beto Martins (premiado em Brasília em 2009 pelo curta “Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos”, de Camilo Cavalcante); o montador João Maria (do multipremiado “O Som ao Redor”); e Yuri Queiroga com o DJ Dolores na composição da trilha sonora. Atenção também para a técnica de som Catarina Apolônio.
Com tais aspectos técnicos impecáveis – na verdade, mas do que isso: atraentes e elegantes – “Rio Doce/CDU” situou-se rapidamente entre o público do festival. Num primeiro momento, claro, pela identificação dos espectadores com o cenário humano e geográfico ali retratado. Os mais de 30 quilômetros do percusso que ligam o bairro de Rio Doce, em Olinda, até a Cidade Universitária, no Recife, é tão comum à platéia local que não há como o recifense/olindense em algum momento levantar o braço durante a projeção e, apontando, dizer: “Olha, ali é onde eu…”.
Já os personagens não podiam ser mais representativos de um Recife quente. São personagens concretos pela personalidade forte e calorosa. Pelos diversos pontos de parada do coletivo que dá título ao filme, Adelina e equipe descem do ônibus para capturar o depoimento de comerciantes, feirantes ou apenas de transeuntes e usuários em sua relação com o bairro e o transporte urbano. Fica claro o carinho da diretora pelos seus personagens. O problemas, inerentes a uma linha de ônibus insuficiente em quantidade e desconfortável para qualquer cidade grande, ficam em segundo plano.
E isto não há nenhum problema aqui, uma vez que Adelina não se propõe a uma investigação (acusação) ao transporte público. A cineasta, mesmo assim, não deixa de provocar o espectador diante do crescimento desordenado da Região Metropolitina a medida em que nos mostra a paisagem que margeia o carro em seu percurso. Toda a obra de Adelina, na verdade, já merece um estudo. Com uma atenção especial dada aos idosos e desvalidos, a diretora firma-se como dona de um olhar muito delicado sobre a generosidade, fragilidade e beleza humana.
O resultado é um retrato de um Recife/Olinda bonito e alegre, quase dourado e sem culpa, através das imagens refinadas de Martins, a fluência narrativa de João Maria e o embalo de Dolores e Yuri. Ao final, tivemos o primeiro longa ovacionado deste Cine-PE. Com aplausos e sorrisos ao final da sessão, além da plateia saindo do teatro enquanto cantarolava a canção “Guia de Olinda”, com a banda Eddie, na voz de Erastos Vasconcelos.
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