Além das Montanhas
Conflito entre fé e razão
Por Luiz Joaquim | 28.05.2013 (terça-feira)
O festival de Cannes, em sua edição 66, encerrou neste domingo anunciando o vencedor do prêmio máximo, a Palma de Ouro. O cobiçado troféu ficou com o franco-tunisiano “La vie D Adele”, filme de Abdellatif Kechiche que fala de um amor lésbico interpretado pelas atrizes Lea Seydoux e Adèle Exarchopoulos. Apesar de já comprado por umas distribuidora brasileira – a Imovision – a obra ainda não tem data de estreia no Brasil. Mas, para ir entrando no clima do festival francês, o recifense pode hoje conferir na sessão de arte do UCI/Ribeiro (no Shopping Tacaruna, às 19h) o romêno “Além das Montanhas”, filme de Christian Mungiu que levou o título de melhor roteiro e atriz (dividido entre Cosmina Stratan e Cristina Flutur) na edição 2012 de Cannes.
É apenas o terceiro longa de Mungiu, 45 anos, que agora nos chega com ainda mais maturidade que o seu anterior e vencedor da Palma de Ouro em 2007: “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”. O romêno não deixou, entretanto de nos atordoar com a nova história que nos apresenta; mais uma vez protagonizada por duas mulheres. Aqui, ele reforça sua pegada humanista e nos faz lembrar gente grande como Tarkovsky e Robert Bresson, pelas suas opções estilísticas.
O enredo nos leva 15 anos atrás, na Romênia. Lá Alina (Cristina Flutur) e Voichita (Cosmina Stratan) são grandes amigas que vivem em um monastério isolado. Alina viveu por vários anos na Alemanha e deseja voltar ao país, agora com Voichita, mas ela está feliz no convento, onde acredita ter encontrado um lar e a fé. A rotina no monastério é tranquila, mas a disciplina esconde uma disciplina quase militar, seguida pelo discipulos da religião em função de sua fé.
A experiência de Alina na Alemanha a fez, claro, enxergar o mundo de forma diferente e seus valores não mais encaixam nas determinações impostas pelo padre (Valeriu Andriuta) que é a maior autoridade do monastério. A situação começa a ficar tensa quando a postura dela começa a ir contra a determinada pela religião em questão. A devoção do padre começa a interferir ao interpretar as atitudes mais relaxadas de Alina a ponto dele condená-la.
Há também uma tensão homoafetiva entre as duas mulheres, e mesmo sexual envolvendo o padre. Ela é clara, mas nunca explícita. “Se eu deixar Deus entrar no meu coração você me amará novamente”, pergunta Alina a Voichita a certa altura quando já entendeu que está perdendo a amiga.
Num crescente de tensão, “Além das Montanhas” chega ao quase insuportável quando, isolados do mundo, a comunidade passa a ter certeza que Alina está possuída pelo demônio. Mungiu, habilidoso, cria diversas situações para confundir até o espectador, mas ao jogar seu desfecho em nossa cara – com um suave zoom dentro de um carro – o faz como se nos desse um tapa para acordar para a possibilidades fora de um contexto fechado. O mundo é maior que o nosso mundo.
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