Duas gerações, uma paixão
Dona Alice e Gustavo chamavam a atenção no 8° CineOP
Por Luiz Joaquim | 19.06.2013 (quarta-feira)
Quem esteve no 8º CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto não deixou de perceber uma figura muito contrastante entre os convidados. Ele circulava livremente e dedicava bastante interesse nos seminários sobre preservação e memória cinematográfica – emitindo opinião, inclusive – que reuniu as maiores autoridades do assunto no País em Minas Gerais. O ilustre e distinto convidado era Gustavo Igor Lopes de Jesus, 13 anos, o mais jovem participante da mostra de seus oito anos de história.
Gustavo não saía de perto de Alice Gonzaga, 78 anos, empresária à frente da Cinédia, empreendimento que foi o pioneiro, em 1930, a investir em equipamento e tecnologia para produzir filmes com mais apuro técnico no Brasil. Dona Alice, como é conhecida no meio, é filha de Adhemar Gonzaga (1901-1978), principal fundador da Cinédia.
Gustavo nasceu e nunca tinha saído do pequeno distrito de São Sebastião, região administrativa do Distrito Federal. Voou agora pela primeira vez de avião e logo para uma espécie de paraíso para experientes historiadores do audiovisual.
Enganou-se quem pensou em Ouro Preto que Gustavo guardava algum parentesco com Dona Alice. Na verdade a dupla, separada por 65 anos de história, assume hoje uma grande amizade em função do interesse incomum de Gustavo pela cultura dos anos 1930 e pela sua determinação em conhecer Dona Alice.
“Desde sempre eu gostava de coisas antigas, mesmo com três anos de idade. Mas era tudo muito abrangente. Eu não tinha enfoque, até que resolvi investigar sobre as música dos anos 1930. Não sei se tem a ver com o meu avô. Pois ele já gravou discos”, explica o menino.
Sônia Lopes, mãe de Gustavo, chama a atenção para as preferências dele quando o assunto era brincadeiras. “Nunca gostou de bola e carrinho, mas não podia ver uma calculadora velha ou máquina de escrever que queria logo desmontar”, diz.
Eloquente, Gustavo diz que a música dos anos 1930 o instigou porque foi ali que o processo da indústria fonográfica começou a se desenvolver mais, junto com o rádio. “E a indústria do radio era muito atrelada ao cinema. Foi assim que descobri o cinema dos anos 1930. Foi aí também que comecei a pesquisar onde estariam esses filmes. E descobri a Cinédia pela internet”, conta.
Gustavo não teve dúvidas e, em 16 de outubro de 2012, telefonou logo para a empresa carioca para desfiar uma série de perguntas que lhe afligiam, a maioria dizendo respeito a preservação. Do Rio de Janeiro, Dona Alice primeiro desconfiou que um garoto pudesse elaborar questões tão sofisticadas sobre o assunto para a sua idade.
“Até minha filha Maria Eugênia dizia assim: Cuidado, isso não pode vir de um garoto”, lembra a empresária, que mesmo assim continuou mantendo contato com Gustavo. Contato desdobrado inclusive pelo Facebook, rede social na qual existe uma página da Cinédia.
Com a interação aumentando, e a curiosidade também, Dona Alice lhe enviou alguns livros publicados sobre a Cinédia e, numa conversa por telefone disse que iria ao Festival de Anápolis, em Goiás, em maio último. “Não era em Brasília, mas era perto. E lhe disse que se ele fosse lá a gente podia se encontrar. Mas o convidei ainda achando que não era um menino. E ele foi lá”, lembra. Logo no primeiro encontro Gustavo não parava de fazer perguntas. “Foram dois dias de conversa sem parar”, recorda Dona Alice.
Com um novo amigo tão incomum, ela conversou com Hernani Heffner, da Cinemateca do Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, para saber se ele achava que Gustavo poderia ser convidado ao CineOP. “Antes me certifiquei com o garoto se teria alguém para acompanhá-lo e se não teria problemas no colégio por faltar aula ou prova”, cuidou Dona Alice. Estudante do 1º ano do ensino médio, Gustavo já pensa em estudar arqueologia na faculdade.
Sobre o filme que mais admira da década de 1930, Gustavo responde sem titubear, “Alô, Alô Carnaval!”, com Carmem Miranda e diversos cantores de rádio da época, interpretando canções de João de Barro, Noel Rosa e Lamartine Babo, entre outro.
De brincadeira, lhe perguntamos o ano de produção da obra e, antes de concluirmos a pergunta, Gustavo já responde de pronto: “1936”. Falou com os olhos brilhando por trás dos óculos, já com um novo sonho para correr atrás: viajar ao Rio de Janeiro e conhecer as instalações e a história do primeiro estúdio de Cinema do Brasil.
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