41º Gramado (2013) noite 3
A alegria e melancolia de Hilton Lacerda
Por Luiz Joaquim | 13.08.2013 (terça-feira)
GRAMADO (RS) – Se ainda há algum incrédulo a respeito da personalidade do cinema que vem de Pernambuco, aguarde um par de meses e reavalie sua opinião quando “Tatuagem “, o longa-metragem de Hilton Lacerda, entrar em cartaz no circuito exibidor.
Ao final da primeira projeção pública do filme, que aconteceu domingo dentro da competição do 41º Festival de Cinema de Gramado, a sensação era a de, nas palavras do cineasta mineiro Gilberto Scarpa, ter se “vivido um momento histórico do cinema brasileiro.”
“Tatuagem”, que conta a história da trupe anárquico-teatral “Chão de Estrelas” – inspirada na real turma do “Vivencial” da Olinda dos anos 1970 -, é daqueles filmes que te embalam pela sua alegria de estar vivo. E a tradução dessa alegria se dá pela coragem e honestidade no seu discurso.
Acredita-se em “Tatuagem” por uma comunhão de talentos reunidos e somados pelo roteiro e direção elegante, humanista e amorosa de Hilton Lacerda; pela atuação digamos “epidérmica” de Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa, Rodrigo Gárcia e de toda a trupe de atores que compõe o “Chão de Estrelas”; pela ambiência quente da diretora de arte Renata Pinheiro; pela trilha sonora sempre inspirada do DJ Dolores; e pela montagem fluída de Mair Tavares.
De nada adiantaria, entretanto, essa combinação de talentos se não houvesse uma carga muita cara ao diretor Hiltinho, que ele dosa com precisão ao falar sobre o amor, a liberdade e a potência da arte pela dramaturgia, pela música e poesia.
Em meio à bagunça séria do “Chão de Estrelas”, o enredo conta também a paixão que surge entre o cabeça da trupe, Clécio (Irandhir), e o adolescente Fininha (Jesuíta), que acaba de ingressar no quartel. Acompanhamos então esse “Romeu e Julieta” no qual os Capuletos são a repressão militar e os Montéquios a liberdade.
Em um dos momentos mais impressionantes na dramaturgia do filme está aquele que os dois se apaixonam. Acontece quando Fininha diz que gostou de Clécio interpretando “Esse cara”, de Caetano Veloso. Pela intensidade, o sentimento é quase palpável de tão concreto na tela. É o exemplo perfeito do cinema criando uma mágica montada por atores, roteiro, direção, fotografia, direção de arte e o condimento principal: um absoluto envolvimento amoroso com o que se faz.
Destaque ainda para o resgate histórico que Hiltinho promove sobre a cultura pernambucana dos anos 1970 com a figura de um cineasta (Silvio Restiffe) lançando seu filme em Super-8, com inspiração direta na obra do mestre Jomard Muniz de Britto, em particular com o filme “Jogos Frugais”. “Tatuagem”, enfim, ainda será muito comentando, e sempre lembrado.
*Viagem a convite do festival
VIVENCIAL – O grupo teatral “Vivencial” funcionou em Olinda entre 1974 e 1983, tendo com diretor inicial Guilherme Coelho. Nasceu sob a influência do tropicalismo e da contracultura. Funcionava por meio de uma cooperativa, tendo sido um marco da irreverência e transgressão da cultural pernambucana.
A partir do texto “Nos Abismo da Pernambucália” (1973), de Jormard Muniz de Britto, a casa “Vivencial Diversiones” estabeleceu seus princípios estéticos e ideológicos que acompanhariam a trupe até seu encerramento. A “Pernambucália” seria a “contraimagem da pernambucanidade”.
BRASÍLIA A cineasta Renata Pinheiro acordou ontem em Gramado, onde defende a direção de arte de “Tatuagem”, com uma ótima ligação telefônica. Era da organização do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro convidando seu longa-metragem “Amor, Plástico e Barulho” para competir como ficção no evento em substituição ao desistente “A Estrada 47 (A Montanha)”, de Vicente Ferraz .
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