7o Janela (2104) – dia 6
Pela perspectiva da burguesia
Por Luiz Joaquim | 29.10.2013 (terça-feira)
Comecemos com uma provocação: “Casa Grande”, primeiro longa-metragem de ficção do carioca Fellipe Barbosa – e que exibe às 19h no São Luiz dentro do 7º Janela Internacional de Cinema do Recife -, é o melhor filme brasileiro de 2014. Obra para ser vista e revista, “Casa Grande” propõe uma reflexão equilibrada entre o humor e a tensão, sempre sob a luz da sutileza, sobre aspectos cruciais para entender nossa sociedade que ainda em 2014 vive ecos de “Casa Grande e Senzala”, escrito há 71 anos por Gilberto Freyre. nos dando dicas sobre nossa formação sociocultural.
Um destes aspectos é a falência de Hugo (Marcello Novaes), um rico investidor da burguesia carioca, e como ele esconde da família seu fracasso e as limitações com as quais passarão a viver. Um outro aspecto é o filho adolescente do casal, Jean (Thales Cavalcanti), e em como ele terá de sair de sua zona de conforto, cuja única preocupação era o vestibular, para encarar conflitos contra a família e rever seus preconceitos.
Fellipe chega hoje à tarde ao Recife para acompanhar a sessão a qual espera com ansiedade. “Tenho de trabalhar hoje [ontem], mas não consigo me concentrar. Tenho muitos amigos queridos aí, entre eles Kleber [Mendonça] e Emilie [Lesclaux]. Depois que vou ver o filme no São Luiz, que é lindo, e também no Cinema da Fundação, uma sala que tem um valor simbólico pra mim, é um lugar de encontros. Além disso, o filme tem muito de Pernambuco nele, a começar pela equipe com Pedrinho [Sotero, fotógrafo], Amanda Gabriel [produtora de elenco], Clarissa Pinheiro [atriz] e Brenda da Mata [platô]. Sem falar que a história remete a Gilberto Freyre”, contou ontem por telefone a Folha de Pernambuco.
Por falar em Mendonça, alguns críticos já compararam “Casa Grande” a “O Som ao Redor”. Para Fellipe, “é natural que o primeiro filme seja mais pessoal. Talvez outros diretores disfarcem melhor, ou talvez seja uma característica dessa geração se colocar mais na frente da câmera. Tem aquela máxima de que quanto mais específico somos, mais universal conseguimos ser. A coisa da intimidade me lembra uma ensaio de Machado de Assis, ele dizia que o nacionalismo é nada mais que um sentimento íntimo. Há uns dez anos via o cinema brasileiro muito preocupado com grande temas, quando na verdade o nacionalismo poderia ser algo mais íntimo”, lembra.
Sobre dirigir atores numa dramaturgia, o rigoroso roteirista Fellipe revela que tinha obsessão pelo elenco. “Sabia que se escolhesse um ator errado, o filme daria errado. Não sei se o que fiz chega a ser um método, mas criei uma matriz numerológica para meus personagens. Atribuí três números, cada relacionando-se com a característica principal de cada personagem, seus desejos conscientes e suas necessidades inconscientes. Cada um destes números eram arquétipos e nenhum deles podiam bater um com o outro. Garanti assim personagem muitos distintos. O desafio é garantir quem é quem nas relações. Me intriga uma onda de filmes nos quais personagens entram e saem da narrativa sem mostrar sua importância”.
Fellipe lembra que foram cerca de dez tratamentos pelos quais passou o roteiro e mais de 30 “mexidas” até chegar no que temos na tela. A personagem de Rita (Clarissa Pinheiro) nem existia. “Hoje já não consigo imaginar o filme sem ela”, destaca o diretor. “Eu não queria eufemismo na leitura do filme. Não se trata de uma família classe média, mas sim rica, com dois filhos e três empregados. A inserção de Rita ajuda inclusive a lembrar uma certo arquétipo da sociologia brasileira, pela relação entre patrão e empregada, que vem desde de Gilberto Freyre”.
Eleita melhor atriz coadjuvante no Festival de Paulínia (assim como Marcello Novaes, ator coadjuvante), Pinheiro, 31 anos, esteve na redação da Folha de Pernambuco e falou dessa boa surpresa em sua carreira. Formada em Jornalismo pela Universidade Católica, Clarissa mudou-se para o Rio de Janeiro onde foi estudar na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, onde foi aluna de direção de Fellipe.
“Trabalhava por trás das câmeras, como assistente de fotografia, e só brincava de atuar, aparecendo em curtas de exercício da escola, mas depois passei a levar a atuação a sério. Fiz workshops de teatro chegando a atuar em duas peças”, destaca a atriz.
Sobre a experiência em “Casa Grande”, Clarissa lembra do ambiente tranquilo no set de filmagens e como o fato de não precisar ter de anular o sotaque facilitou seu trabalho. “Fellipe era muito receptivo a sugestões mesmo conosco tendo feito muitos ensaios”, recorda. “E como o personagem é leve, o momento mais tenso para mim foi o do confronto com a patroa de Rita. Não sabia se daria conta, mas Suzana Pires [que vive a patroa] foi muito generosa”.
Clarissa, que acompanhou a premiere do filme Roterdã, diz que não vê a hora de apresentar o filme ao Recife, à família, aos amigos e lembra aos cineastas pernambucanos que um outro desejo é trabalhar com os talentos de sua terra. “Quem sabe um dia não esbarre com Irandhir [Santos] num set de filmagens”, brinca.
EM DESENVOLVIMENTO – Fellipe Barbosa trabalha em “Gabriel e A Montanha”, novo roteiro com o qual revisita o desaparecimento do economista Gabriel Buchman em 2009 no monte Mulanje, no Maláui (África). “Estudei com Gabriel. Para os planos de doutorado em políticas publicas que faria nos EUA, ele decidiu viajar pelo mundo para ver os problemas de perto. Como sou próximo da família, tive acesso a muito material. O enredo vai até seu desaparecimento e fechei o roteiro com passagens por três países: Tanzânia, Zâmbia e Maláui.
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