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Críticas

A Vida Secreta de Walter Mitty

Um homem comum aprende a voar

Por Luiz Joaquim | 20.12.2013 (sexta-feira)

Ben Stiller inicia uma bela e nova fase em sua carreira com “A Vida Secreta de Walter Mitty” (The Secret Life of Walter MItty, EUA, 2013), filme atuado e dirigido por ele mesmo e entrando em cartaz hoje no Brasil.

Num roteiro construído por Steve Conrad a partir do conto homônimo escrito em 1939 por James Thurber, a grandeza deste novo “A Vida Secreta…” está em não se encaixar com facilidade em nenhum gênero especifico do cinema – comédia, romance, aventura, ação – e, ao mesmo tempo, contemplar sedutoramente a todos eles. Sendo ainda que, nessa multiplicidade, consegue ser coeso em seu discurso e ritmo.

O filme também eleva seu crédito quando lembramos que esse discurso é igualmente múltiplo. Ele aponta para uma diversidade de assuntos próprios dos tempos modernos, e aponta pela sugestão; respeitando a inteligência do espectador deixando que ele se vire para perceber ou não tais sutilezas sobre a confusa vida contemporânea em que nos metemos.

Numa época em que jovens e adultos vivem uma vida virtual cada vez mais sobreposta à vida real, o filme de Stiller soa necessário. Funciona como um “Grilo falante”, da fábula de Disney, cochichando uma ordem àqueles que vivem num mundo de fantasia a saírem de lá e tomarem as rédeas de seus destinos.

Reflexões graves à parte, “A Vida Secreta…” é ainda um belo filme porque também é sedutor e diverte. Stiller é o Walter Mitty do título. Ele trabalha na revista “Life”, que recebe um novo e carrasco coordenador chamado Ted (Adam Scott) contratado para cuidar da transição da revista para uma versão digital, e editar o seu último número em versão impressa (essa transição, na vida real, aconteceu em 2007).

A notícia cai como um bomba para todos, inclusive Walter que há 16 anos trabalha como devotado editor dos negativos de fotografias da revista. A função parece simples, mas considerando o peso da “Life” – dona do mais importante acervo fotojornalístico do século 20 – ela ganha um outro sentido e funciona aqui como um ponto emblemático para os dias pautados pelo descartável, pela banalidade, pelo excesso.

Aos 42 anos, Walter é um homem simples e pobre, que perdeu o pai jovem e começou a trabalhar já na adolescência para ajudar a mãe (Shirley MacLaine) e sua caçula (Kathryn Hahn). Pelas circunstâncias, sua vida tornou-se apática. Nunca viajou para um lugar interessante, vive sozinho e quando não está trabalhando, cultua o habito de sair do ar, sonhando acordado.

Se vê em situações heroicas, românticas e de extrema ação, onde se projeta como o salvador viril; mas sua inibição para o mundo que o cerca não o permite nem falar com a colega Cheryl (Kristen Wiig, de “Missão Madrinha de Casamento”). Como tentativa de aproximação, ele tenta se comunicar com ela por uma rede social na internet, mas seu perfil ali desinteressante não o ajuda.

A reviravolta na sua vida inicia quando o fotógrafo mais importante da revista, o recluso Sean O Connell (Sean Penn), define que o negativo nº 25 de seu último rolo enviado a Walter deve ilustrar a capa da última “Life”. Ali estaria a “quintessência” da vida – ou da “Life”. O detalhe é que o negativo 25 está sumido e Walter precisa encontrar O Connell para lhe ajudar a não perder o emprego.

Com esse trama, Stiller toca, com muito humor e pouca piada, em pontos sensíveis que dizem respeito à futilidade da imagem nos dias de hoje, e por consequência do próprio cinema. Quando vivenciamos as cenas de devaneios de seu Walter, por exemplo, é como se Stiller nos dissesse que qualquer mote idiota pode virar um genial filme de ação. Basta ter a estrutura tecnológica de Hollywood.

Ou quando Walter, com seu telefone celular que não acessa a internet, vai para o mundo resolver um problema real, e seu perfil virtual vai cada vez mais se tornando interessante para as mulheres. É uma medida inversa para ele, que cada vez menos se interessa por uma vida virtual.

A chave de ouro que fecha essa lição é dada pelo fotógrafo O Connell, que enquanto tenta fotografar um raro felino no Himalaia, explica a Walter qual a dificuldade em que consiste o seu trabalho, ou qualquer outro aspecto da vida. Ele diz: “A verdadeira beleza não quer se mostrar”. O que mais acrescentar?

Em tempo 1 – “A Vida Secreta de Walter Mitty” já havia recebido uma versão para o cinema em 1947 – “O Homem de 8 Vidas” – pelas mãos do diretor Norman Z. McLeod, com Konstantin Shayne no papel principal. Nesta versão, mais fiel ao conto, Walter fantasia aventuras enquanto edita textos no jornal de uma pequena cidade. A reviravolta acontece quando ele decide salvar a mulher de seus sonhos de ladrões que a perseguem.

Em tempo 2 – Alguns dos diretores que já haviam mostrado interesse em refilmar a história de Walter Mitty foram Steven Spielberg, Mark Waters e Ron Howard. Alguns atores que já foram pensados para dar corpo a Mitty, foram Owen Wilson, Mike Myers e Sacha Baron Cohen. Em 1994, o produtor Samuel Goldwyn Jr., cujo pai, o famoso Samuel Goldwyn, produziu “O Homem de 8 Vidas”, quase fez a refilmagem da obra com a ideia de convidar Jim Carrey como protagonista.

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