12 Anos de Escravidão
Sangue, lágrimas e nenhum perdão
Por Luiz Joaquim | 21.02.2014 (sexta-feira)
E estreia aquele que talvez seja o mais esperado “filme do Oscar” desta edição de 2014. Adaptado do livro “12 Anos de Escravidão”, uma brochura autobiográfica escrita por Solomon Northup em 1853 (!), o filme homônimo (12 Years a Slave, EUA/GB, 2013) entra em cartaz no Brasil e deverá reforçar agora, com o espectador local, o que a imprensa estrangeira já proclamava lá fora.
Dirigido pelo londrino Steve McQueen, que chamou a atenção do mundo já em seu primeiro filme, “Hunger” (2008) no Festival de Cannes e, três anos depois, com o segundo trabalho “Shame”, no Festival de Veneza, agora ele conquista Hollywood com o seu mais elaborado filme do ponto de vista da produção. “12 Anos…” concorre a nove estatuetas douradas próximo 2 de março.
Ainda que, como nos dois filmes anteriores este “12 Anos…” se concentre na dor física e psicológica muito particular de um personagem específico – no caso o ex-escravo Solomon Northup (o ótimo Chiwetel Ejiofor) -, o seu martírio acaba personificando o sofrimento de todos os negros que passaram pelo julgo medonho de um sistema escravocrata.
É daí que vem tanta comoção (justa) da crítica e do público pelo retrato impiedoso que McQueen desenha para os 12 anos que Solomon foi obrigado a viver como escravo, quando antes gozava de uma vida como negro que nasceu livre, com esposa e dois filhos em Nova Iorque.
A história parte de 1841, quando Solomon é livre e reconhecido na região como bom violinista. Tanto que aceita trabalhar com dois homens brancos numa pequena temporada circense em Washington. Uma vez lá, após uma noite de comemoração, ele acorda no outro dia acorrentado num porão, prestes a ser vendido como um escravo fugido. Daí por diante, acompanhamos seu martírio passando de um fazendeiro a outro, como uma mercadoria um pouco mais valiosa por saber tocar violino.
Diferente dos dois filmes anteriores, McQueen agora concentra energias menos num exercício estético e mais na figura de Solomon. É por ele, num narrativa mais clássica, nos colocando numa crescente claustrofobia do sistema escravocrata, que o diretor segura toda atenção de seu público.
O roteiro de John Rodley com a montagem Joe Walker (parceiro de McQueen nos filmes anteriores), cheia de silêncios e mínima música, formam um casamento preciso na crescente dosagem de torturas pelas quais Soloman é submetido.
Dois aspectos fascinantes chamam atenção nesta história real do protagonista. Um é a dupla perspectiva que ele possuiu – e que registrou num livro há 160 anos (!) – sobre a ideia de liberdade e escravidão, sempre permeada pela noção de justiça x injustiça.
É também por essa distinção do protagonista que McQueen consegue nos estarrecer. É por compartilhar conosco a consciência de que ali é açoitado e humilhado um homem como nós, que já compreendemos a escravidão e o desrespeito humano como algo inaceitável, que nos sofremos e nos indignamos tanto quanto Solomon.
O segundo aspecto notável é histórico, quando vemos pela primeira vez num filme, sem paternalismo, o fato de termos tido duas Américas tão distintas no meio do século 19. Uma onde um negro podia viver livremente e ser reconhecido como um cidadão comum, e outra, contemporânea, onde o mesmo negro podia ser tratado como um pedaço de carne descartável.
Em meio a tantos predicados, “12 Anos de Escravidão” ainda nos brinda com momentos valiosos do mais puro cinema, ao colocar diálogos numa comunhão primorosa de encenação entre monstros da atuação como Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender e Brad Pitt. Este último (também produtor) tem uma rápida participação, mas seu embate em cena com Fassbender é digna de estudo.
OSCAR – “12 Anos de Escravidão”, ao lado de “Trapaça”, lidera na quantidade de indicações ao Oscar 2014. São nove: melhor filme, direção, ator (Chiwetel Ejiofor), ator coadjuvanet (Michael Fassbender), atriz coadjuvante (Lupita Nyong’o), figurino, montagem, roteiro adaptado e direção de arte.
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